quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

"Silver linings playbook"



A apologia do loucura é um cliché eterno do cinema. Ser louco não é necessariamente ser mau, e no cinema, os loucos seduzem-nos e atraem-nos, ao contrário da vida real, onde nos repelem para 70 metros de distância. Esta mania tem entrado nos últimos anos num território insuspeito: a comédia romântica. Quem devemos culpar? Não sei bem. Talvez a estranha popularidade entre o público joveme  amante de ironias que elevou a "manic pixic girl" a ícone dos amores deste século XXI. A MPG nada mais é do que alguém com quem o protagonista masculino cria uma ténue ligação, normalmente a partir de um gosto musical comum, possuindo em si um conjunto de características que, tal como os loucos, adoramos no cinema, mas que nos chocariam e afastariam no mundo real. De certa maneira, tem lógica, porque muitas das vezes, a maneira mais segura de experimentarmos a loucura é no cinema.


"Silver linings playbook", uma simpática, sorridente e um pouco pateta "dramédia" romântica é apanhada nesta corrente, mas com um twist que torna o filme ao mesmo tempo irritante e sedutor: ambos os protagonistas têm um problema mental. No caso de Pat Solitano, é a bipolaridade, que explode em todo o seu esplendor quando apanha a esposa em casa com outro homem, que apanha literalmente a explosão na cara. Depois de cumprir seis meses num hospital psiquiátrico, cumprindo a pena estipulada pelo tribunal, Pat diz-se preparado para a vida real e está especialmente obcecado em recuperar a mulher. Encontra em casa uma mãe que o ama e que também tem de cuidar de um pai desempregado, fanático por futebol americano e que tem traços de obsessão-compulsão. Numa tentativa de fazê-lo sentir integrado, o seu melhor amigo combina um jantar de boas vindas, e é aí que conhece Tiffany, a segunda louca desta equação, embora com um problema mais apelativo: está a ultrapassar uma crise de ninfomania despoletada pela morte do marido. Há uma atracção estranha entre ambos e até ao final, o conflito entre essa atracção, a obsessão de Pat e o gosto por futebol americano do pai de Pat cruza-se com um concurso de dança, criando uma história que cativa na mesma quantidade que confunde.



O filme tem diversas qualidades que não se podem negar. Não é a primeira vez que David O. Russel dirige comédias românticas estranhas. "I heart Huckabees" é até o exemplo mais comercial, mas este é o homem que dirigiu "Spanking the monkey", uma comédia que gira em torno do incesto. Por isso, sabe tornar uma premissa de razoável  bizarria num filme coerente e digerível; e é um facto que "Silver linings playbook" tem imenso charme. Um dos motivos é, no entanto, uma fraqueza: a escolha de actores principais. Não é que estejam mal, pelo contrário: Bradley Cooper é uma revelação, pelo menos para mim, no papel de Pat, um indivíduo que não consegue largar o passado, a um ponto que se torna idiota na história do filme. Encarna convincentemente um indivíduo bipolar e sem filtro, equilibrando a rudeza e o apelo ao espectador. Jennifer Lawrence tem um desempenho que nem sei bem se lhe chame desempenho... Já vi entrevistas dela e Lawrence é assim: cativante, emocionalmente desbocada, intensa, entusiasmante. Há uma dor latente que a actriz traz à personagem de Tiffanny e que, em última instância, vira a história e a própria vida de Pat. Se um espectador heterossexual não sair apaixonado por Tiffany deste filme, terá um problema. No entanto, quando este dois actores (de invejável pool genética) encarnam estes personagens, não nos parece que tenham assim tantos problemas quanto isso... Não é que não sejam credíveis nos seus papéis; mas são Bradley Cooper e Jennifer Lawrence. Bradley Cooper, apesar de tudo, disfarça como pode este factor, porque há pontos na história em que Pat chega a pontos patéticos mais trágicos do que cómicos. Ainda assim, a sensação passou-me. Há também um elogio à loucura que é falso: se todos são, de alguma maneira, loucos, a loucura não é especial. Na verdade, a normalidade é que é especial, e por isso é celebrada no filme como sendo louca. Mas se as pessoas, de facto, funcionam, não pode ser, por definição, loucura, certo?


O argumento possui problema também, na minha opinião. O primeiro acto, e o começo do segundo, arrastam-se demasiado. O filme repete temas e esquemas em cenas diferentes, o que atrasa o arranque dauilo que queremos realmente ver: Tiffany e Pat a interagir um com o outro. Há também um personagem quase decorativo de um polícia que deve controlar Pat na comunidade e cuja única função parece ser atrair o nosso ódio. A relação entre Pat e o pai, de suposta crispação, nunca fica estabelecida como deve ser, e isso nem seria problema de não houvesse um momento específico no filme onde a dor dá lugar à confissão e é o ressoar desse momento que faz Pat acordar um pouco para a vida. Esta cena só é salva por um actor inteligente como é Robert de Niro, que do nada cria tudo o que precisamos saber para nos ligarmos à relação entre estes dois personagens. De Niro tem, aliás, uma performance muito interessante, que faz sorrir aqueles que, como eu, sentem sempre alguma tristeza ao vê-lo arrastar-se por filmes que não merecem o seu talento. Este papel, que marcou o seu regresso aos Óscares, é esse regresso de alguma qualidade à sua carreira. A célula familiar, que envolve também a mãe (uma Jacki Weaver que não percebo muito bem porque foi nomeada para os Óscares), é também o cliché da família disfuncional que vai-se a ver, e afinal é boa, característica de um certo cinema indie norte-americano. Não é que os clichés sejam algo de inerentemente mau. A maneira como são apresentados e desenvolvidos é importante, e neste filme, não achei que fosse a melhor.


No entanto, "Silver linings Playbook" está programado para ser um feel good movie perfeito. Consegue-o: quando saí da sala de cinema, vinha de sorriso de orelha a orelha, pensando ter visto algo de realmente excelente. Só no dia seguinte, quando comecei a pensar realmente no filme, é que os problemas aparentes surgiram. O mérito é de David O. Russell, que do caos, arranca uma obra positiva e de história de vida temperada com um pouco de bizarro. Um plano, perto do final do filme, sela o acordo: é um long shot acelerado, que se afasta dos dois personagens e é exactamente aquilo que passa na minha cabeça quando beijo uma rapariga de quem gosto pela primeira vez. É um pouco como o amor: mexendo no nosso coração, atrapalha tudo o resto que devia ser ocupação da cabeça; e conseguir isto num filme já é uma proeza.

4 comentários:

  1. Aconteceu-te o mesmo que me aconteceu a mim. Quando saí da sala estava bem disposto por causa do filme e de facto, quando comecei a pensar nele ia perdendo força. Mas acho que o objectivo do filme não é ser uma obra-prima mas antes fazer com que os espectadores saiam da sala satisfeitos.

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  2. Concordo com a tua opinião, Hugo, como o exprimi no texto. Acho que o filme está programado para ser um "feel good movie", e colocar um sorriso na cara dos espectadores; isso e fazer com que os homens se apaixonem pela Jennifer Lawrence :)

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  3. Se calhar é isso, saímos satisfeitos do filme, não pelo filme, mas porque ficámos apaixonados!

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  4. Ficar apaixonado tem esse poder. Dizem-me, que eu não me quero dar com essas coisas tão cedo! :D

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