terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Não se pode comer só gourmet



"Pirates of the Caribbean", filme de 2004, não devia ter funcionado. No entanto, uma mistura de acidentes felizes  fabricou o início de uma das sagas de maior sucesso da última década. A base era um entretenimento de parque temático Disney, mas não interessava: a ponta de irreverência que por acidente entrou no filme deu-lhe um tom de frescura que o distingue de outras blockbusters de aventura, inclusive das suas próprias sequelas. É um estranho híbrido entre um filme de aventuras a sério e o seu gémeo gozão. O filme funciona porque finalmente se deu rédea solta a Johnny Depp num filme mainstream (e num papel que, se atentarmos, não é exactamente aquilo que esperamos numa actuação comercial); porque o ar cabotino de Orlando Bloom, essencial para compreendermos a sua carreira, é posto no melhor dos usos; porque Keira Knightley não é uma donzela tradicional e tem talento para perceber que o que se lhe pede é, precisamente, que não o seja; e Geoffrey Rush não precisa de adjectivos. As partes 2 e 3 eliminaram um enfoque nas dinâmicas entre estes personagens e adoptaram a máxima de "quanto maior, melhor". Resultado? São chatos que dói.
O quarto filme da saga muda de condutor, e Gore Verbinsky dá o lugar a Rob Marshall. O resultado é uma fita com uma clara divisão: os momentos em que Johnny Depp aparece, ora com Rush, ora com a neófita Penelope Cruz (que está do caraças), e os outros onde se introduzem personagens que fazem da narcolepsia um instrumento de profissão. O mobil da fonte da juventude está bem esgalhado, e verifica-se uam corrida a três pela sua posse entre piratas, ingleses e, no subtexto mais interessante do filme, os espanhóis. Há um ou duas set-pieces bem encenadas, mas nada de extremamente memorável. Gore Verbinsky não é um realizador de encher o olho, mas sabe que a loucura é matriz principal desta saga. Rob Marshall traz diversão, mas sem açúcar; e se bem que Jack Sparrow é demasiado doce para sofrer de dieta, o resto do filme acaba por se arrastar um pouco mais do que devia, entre a diversão ocasional.



"Real steel" é um daqueles filmes com coração onde parece picuinhas falar mal. Mas eu não sou propriamente conhecido pelas minhas boas maneiras. No entanto, há que ser honesto: Hugh Jackman é um actor que merece tudo o que de bom lhe acontece, pois é um duro carismático, que equilibra bem o sentimentalismo e a agressividade da rudeza australiana que lhe encaminhou o papel de Wolverine. Tendo o desafio de interpretar um homem que ignorou, até ao início do filme, o seu filho (e se vê obrigado a ter de passar com ele um Verão no meio dos robôs pugilistas que compõem a sua profissão), ele cativa e atrai o espectador, ajudado pelo ar reguila de Dakota Goyo, que interpreta o petiz. Evagenline Lilly aparece, e só se pode aplaudir isso. No entanto, a partir do primeiro quarto, o filme imita (para não dizer "rouba) a intriga de "Rocky". Não é homenagem, é roubo. Ponto por ponto: a história de um robô que todos julgam ultrapassado e volta para desafiar o campeão do mundo não surpreende e só ressoa pelos dois actores em questão Há bons efeitos especiais, mas de resto, dispensa-se.



"Die hard 4" devia ser pior do que é; mas entretém e é divertido dentro da sua irrealidade (Mclane contra um helicóptero; Mclane contra um avião a jacto; Mclane passa um dias com um nerd e não lhe dá três galhetas). Numa intriga que o coloca contra piratas informáticos que se aliam a atletas de parkour, Bruce Willis passeia um ar enfadado, mas sem comprometer. Mantém-se a tradição de haver vilões fracos quando não se entrega o papel a britânicos )Timothy Olyphant é bom actor, mas consegue ser das piores coisas do filme) e Len Wiseman, não sendo John McTiernan (não há, actualmente, mitos bons realizadores de acção com menos de 60 anos. Porquê? Não sei mesmo, mas parece estranho, não é?) carrega as coisas em modo cruzeiro, sem dar tempo para pensar nos imensos buracos narrativos e em toda a estranheza de vermos um "Die Hard" que tem muito pouco de hard e onde a acção e linguagem acabam por ser bastantes soft em aparato.

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