terça-feira, 23 de abril de 2013

"To the wonder"


"To the wonder", de Terrence Malick, contém tudo aquilo que os devotos do norte-americano adoram (a escolha impecável de banda sonora erudita, um instinto arrasador na composição de imagens, a atracção por um lado panteísta na visão do mundo, a recorrência da Natureza como reflexo do Homem) e os críticos apontam como suas falhas (a deriva narrativa, a utilização dos corpos como simples sombras, imagens gratuitas e que pouco têm a ver com o acto de contar uma história). No entanto, e mesmo não sendo um filme tão bom quanto o maravilhoso "Tree of life", esta obra de Malick centra-se na temática do Amor, e é aí que alcança os seus maiores triunfos, mostrando o realizador como alguém que tem um olho para o pequeno gesto, o quotidiano, os suspiro e tudo aquilo que realmente demonstra o amor entre dois seres humanos, para lá do lugar comum e dos gestos batidos. Essa atenção torna o primeiro terço de "To the wonder" numa experiência de paixão, onde a relação entre duas pessoas pode ser filmada com o mesmo poder da criação do Universo. Os filmes de Malick não funcionam como argumentos estruturados, mas sim experiências em que é pedido ao espectador que se concentre em temas em vez de histórias: os personagens vivem, mas muito mais em filosofia e arquétipos silenciosos,  passeando pelo mundo e perguntando-se (e a Deus, a elusiva personagem-mor que Malick persegue desde "Tree of life" com uma obsessão militante e sensível) o que é a vida. Se em "Tree of life" esta pergunta foi feita em termos mais gerais (colocando duas ideias em confronto), aqui o enfoque é no Amor como força que ao mesmo tempo nos torna divinos, e tão potente na sua destruição que nos leva a bestialidades ou ausências de humanidade punitivas. É novamente a Graça vs Natureza, mas percorrendo a initmidade da pele, e os espaços da alma onde vamos de adulto a criança no espaço de uma carícia. Foi aquilo de que mais gostei em "To the wonder". Um pedaço da mensagem que envolve a procura desesperada que um sacerdote faz de sinais divinos é talvez escusada, mas apresenta o personagem mais interessante, que Javier Bardem exibe com semblante carregado e o ar de quem arrasta 300 árvores às costas. As figuras que experimentam o amor na forma mais conhecida são diferentes entre si (sem no entanto nos ficarem muito na memória, tirando Olga Kurylenko, à força da exposição de um retrato próximo das musas românticas do cinema indie), mas há na profissão do personagem de Ben Affleck que analisa solos para determinar a contaminação dos mesmos por parte de empresas, um sinal daquilo que o homem ideal de Malick procura: a salvação da obra de Deus.

Atentando na agenda de Terrence Malick (o habitualmente recluso realizador tem agendados 4 filmes para um mesmo número de anos), não é difícil ver em "To the wonder" uma peça adicional no largo mosaico que parece formar-se, e esta procura pela salvação da obra de Deus é o tema recorrente até agora. Os dois primeiros filmes deste quarteto são coerentes estilistica e tematicamente, e será das esperas mais interessantes dos próximos anos saber o que nos reserva Malick na sua permanente busca da imanência do universo no vento, nas folhas e na irracionalidade dos nossos próprios movimentos.

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