quinta-feira, 17 de abril de 2014

"The grand budapest hotel"



É raro encontrar hoje em dia filmes onde consigamos sentir que há um realizador a divertir-se à grande, e felizmente que fui ver um desses espécimes: "The grand Budapest Hotel" é a prova de que algures no mundo idiossincrático e muito pessoal de Wes Anderson, existe um folgazão realizador, capaz de encontrar em si a habilidade de construir um entretenimento que ultrapassa as barreiras nas quais a crítica normalmente fecha o seu trabalho (e o filme já fez 40 milhões só nos Estados Unidos...). Juntamente com "The fantastic Mr. Fox", esta é a obra mais descontraída e virada para a pura diversão do cinema da carreira do texano. Anderson tem muitos tiques formalistas que por vezes se tornam irritantes, mas depois da experiência  falhada de "The life aquatic de Steve Zissou", onde esses mesmos tiques atingiram o grau de overdose tal que distraíam de outras coisas boas do filme, o realizador pareceu encontrar um ponto de equilíbrio que nos deu três belos filmes de seguida. Ainda que nenhum deles tivesse atingido a excelência daquelas que, na minha opinião, são as suas melhores obras ("Rushmore" e "The royal Tennenbaums"), são boas notícias.

"The Grand Budapest Hotel" reforça essa ideia, com a sua construção narrativa como se fosse uma boneca russa onde narradores estão enfiados dentro de narradores, hoteis têm vários estratos e camadas e até uma organização secreta com mais caixinhas dentro de outras. A história gira em torno de um MacGuffin em forma de quadro que é uma paródia e a partir daí, assistimos a um filme preciso do ponto de vista do enquadramento e do estilo, mas absolutamente anárquico e delirante na história, interpretações e tudo o que mais que nos contorce a rir na cadeira de cinema. O elenco todo é um parece escolhido a dedo (com alguns habitués) para que essa experiência seja total, e mesmo Ralph Fiennes, que nos habituámos a ver como um actor britânico sério, cria em Gustave H., o concierge da instituição que intitula esta obra, um dandy que cairia bem num romance queirosiano, com o seu gosto por criaturas de duas pernas, os seus pormenores de estilo apurado e também essa capacidade quase portuguesa que é a de se querer dar bem com toda a gente... mesmo quando toda a gente tem sempre algo de odioso dentro de si. Fora de toda a folia, há uma melancolia que se entende, quando sabemos que os escritos de Stefan Zweig inspiraram o argumento: "The Grand Budapest Hotel" é tão obviamente nostálgico de um tempo que já passou e não regressa, um tempo onde o cosmopolitismo, o sentido individual e o bom gosto eram a norma e não um assomo irritante de alguns, que só se compreende quando a obra de Wes Anderson está presente na nossa mente: todos os seus filmes celebram o passado, destilando uma visão idealizada do mundo, dos tempos e das formas. Quando, no final do filme, Anderson permite que a realidade choque com o seu ideal, oferece-nos um sabor agridoce que é pouco comum nos seus filmes, pelo menos desta forma. Gustave H. era um baluarte de civilização na altura em que a Europa era engolida pela barbárie, da mesma maneira que "The Grand Budapest Hotel" é um filme sofisticado cuja popularidade parece querer provar duas coisas: que Wes Anderson é um cosmopolita em contacto com o seu mundo e que nós, como espectadores, não somos tão bárbaros quanto os multiplex nos julgam. E isto faz-me lembrar um poema romântico, mas o senhor Gustav ficou com o livro.

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