quinta-feira, 3 de maio de 2012

Scene it: "Close encounters of the third kind"


(Parecem haver algumas dificuldades para fazer o embed da cena... No entretanto, fica o link para a mesma)

http://www.youtube.com/watch?v=mXiCKn1HCR4


Semanalmente, irei analisar nesta rubrica uma cena de um qualquer filme, independentemente do género, mas que me pareça interessante o suficiente para lhe dedicar uma dúzia de linhas

O primeiro pedaço fílmico a analisar demorou alguns minutos a decidir. Queria escolher algo que fosse do meu inteiro gosto, mas também que não aparecesse martelado em tudo quanto são rubricas do género. Foi então que me lembrei do objecto de génio que é "Close encounters of the third kind", um dos melhores filmes de Steven Spielberg. Por entre os seus momentos de maior fama (desde o final apoteótico de cor e feel good extraterrestre até ao puré de batata feito plasticina nas mãos de Richard Dreyfuss), um houve que sempre me marcou ela sua simplicidade e realismo, mesmo no meio de um filme de ficção científica que fala de temas que se prestam pouco a termos os pés no chão. Falo da cena do aeroporto, no inicio da obra.
Não é apenas por ser realmente bom que escolhi este momento. Desde criança que me interesso pelo fenómeno OVNI, como estudo, e "Close encounters..." apela directamente a este meu lado. Reconheço o desenrolar da cena de diversos livros que li (mormente "The Hynek report", onde o caso que serve de decalque está descrito), e existe uma emoção extra quando lhe assisto. O cinema tem esse poder, de cruzar as nossas emoções e o filme numa teia que reforça o poder de uma sobre a outra.

No entanto, o que esta cena tem de bom não é apenas a emoção particular que me causa. Contextualizando, ela surge num momento em que, através de vinhetas que cruzam a vida de vários personagens, uma série de fenómenos de raiz ovnilógica atinge os Estados Unidos da América. Mesmo sem ainda termos visto qualquer objecto, sentimos que algo de estranho se passa, e somos, de súbito, transportados para a torre de controlo de um aeroporto, onde um controlador conversa normalmente com um piloto. De súbito, o diálogo entre ambos dá uma guinada para o fora do comum, e uma sensação de tensão surge naturalmente, começando a envolver todo os que estão naquela tore.

A forma como Spielberg conduz toda a acção é incrivelmente contida. No filme conhecido pelas suas explosões visuais e imagens maiores do que a imaginação parece permitir, o realizador permite que um evento excitante e de grande pedalada se dê a conhecer pura e simplesmente pela voz e expressão de actores. Hoje em dia, veríamos a acção à vez entre a torre de controlo e os aviões. Aqui, é precisamente por não ver nada que o espectador fica como qualquer um dos personagens no espaço de cena: agarrado ao ecrã, vendo bolas brilhantes, sobressaltando-se à medida que o tom de voz dos pilotos dos aviões larga o confronto monocórdico e assume o medo que os possui quando, de súbito, um deles se vê confrontado com uma carga frontal de um OVNI, ou seja, um encontro com um desconhecido, uma viagem a uma dimensão paralela. Mas tudo isto, na realidade e banalidade de uma sala com cores neutras, tecnologia sem vida. O elemento de vida da cena, como o deve ser em todos os grandes filmes, é a emoção humana; e por isso ficamos ligados ao relato que nos é contado.

Todo este drama é contado com uma economia de planos (20 e poucos planos, em 3 minutos e meio) e ficam desde logo estabelecidas várias das ideias principais do filme: o medo do ridículo que as testemunhas de OVNI têm; o fascínio que os mesmos objectos exercem sobre nós; a confusão causada quando estes atravessam a nossa vida real sem avisar. Tudo isso em três minutos e meio, com diálogo maioritariamente técnico e sem grandes truques de realização e floreado visual. Apenas um homem, sentado num cadeira, olhando um ecrã e comunicando com vozes. Quando se diz que Spielberg é incapaz de lidar com o muito pequeno, lembro-me sempre desta cena, do seu minimalismo e, no entanto, do poder que exerce sobre o espectador, representando bem o cinema como a arte narrativa moderna por excelência.

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