sábado, 25 de agosto de 2012

Estreias da semana

Esta semana, os cinemas portugueses recebem cinco filmes completamente diferentes entre si. Eis o ponto de vista de alguém que viu zero destes títulos.



A estreia de maior destaque, pelo impacto mediático, é "The Bourne legacy" Saúda-se alguma audácia em substituir a face mais visível da franchise, um Matt Damon que se recusou a voltar à personagem que lhe deu real fama, por Jeremy Renner. Renner é um actor igualmente competente, capaz de transmitir a tensão e urgência que caracterizam o mundo Bourne, mas não é fácil mudar de actores em sagas de filme, principalmente quando passaram poucos anos desde o último capítulo. Ainda assim, o elenco continua a ser um dos pontos fores dos filme Bourne (só neste, temos Rachel Weisz, Albert Finney, Joan Allen, David Strathairn e numa aparição que se vem tornando rara, Edward Norton). A intriga decorre paralela à dos filmes anteriores, usando um outro agente, Aaron Cross, que também está envolvido no mesmo programa que criou Bourne. Deverão haver traições, e o pânico instala-se. Prevê-se pancadaria, acção filmada com steady-cam e uma multitude de gente a parecer séria e a berrar ordens.



"2 dias em Nova Iorque" é uma espécie de sequela de "2 dias em Paris", e faz perguntar se o próximo poderá ser "2 dias em Figueiró dos Vinhos". Com Julie Delpy na realização novamente, esta ida até Nova Iorque promete ser uma alteração no tom do primeiro filme pela simples troca de Adam Goldberg por Chris Rock. Se a dupla Goldberg/Delpy eram o expoente da neurose aplicada a uma relação amorosa, Rock poderá trazer uma coolness que evite uma repetição do primeiro filme que, embora divertido e bem observado, era apenas isso; e avia daí, já não é mau.



"360" é o novo filme de Fernando Meirelles, que chega sem grande publicidade às salas portuguesas. Depois de uma fase em que esteve no foco dos media, o realizador de "Cidade de Deus" parece ter sofrido um pouco com o relativo fracasso comercial que foi "Blindness". Compreende-se aliás, porque se o filme é um bom conto moral, onde não parece haver grande luz ao fundo do túnel, não tem o apelo popular por isso mesmo.No seu novo filme, Meirelles opta por um modelo de narrativa usado por outro latino, Alejandro González Iñarritu, nos tempos recentes: várias histórias, em partes distantes do mundo, que vai-se e estão todas ligadas, servindo de metáfora para a Globalização. Espera-se, no entanto, que seja bem melhor do que este cliché; e Meirelles ainda é daquele realizadores em que tenho confiança ara dar a volta a um cliché.



"The samaritan" é mais um título no extenso currículo de Samuel L. Jackson e parece pertencer à sua costela assumida de actor para toda a obra. Aqui, numa obra de produção canadiana, o motherfucker preferido de todos nós é um ex-condenado que quer regressar à vida normal; no entanto, nunca deixam que se esqueça que no fundo, o homem é um criminoso. Tom Wilkinson aparece lá de quando em vez. Pode ser bom ou mau. O espectador está por sua conta e risco.



"Piranha XXL", que devia ter como título "Piranha 40D". Mamas e cadáveres. Enough said

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

"Cabin in the woods"



"Cabin in the woods", de Drew Goddard, vem reforçar 2012 como o ano de Joss Whedon, que é co-autor do argumento. Tanto Goddard como Whedon, nas suas carreiras televisivas, se entretiveram a construir edifícios de pop culture (o primeiro em "Lost", o segundo em "Buffy", "Angel", Firefly"... you name it). É, por isso, curioso que a sua experiência conjunta no cinema seja, acima de tudo, uma experiência desconstrução do género de terror. A palavra "meta" tem sido utilizada para descrever o filme, mas fica muito aquém. Esta obra é mais de camadas: numa primeira, está a história básica, que envolve um quinteto de jovens, estereótipos do cinema de terror, que decidem passar um fim de semana divertido num cabine perdida no matagal. Como espectadores, sabemos, a milhas, que isto só pode correr mal.



Numa segunda camada, está a outra parte do filme de que não convém falar aqui sob o risco de estragar as várias surpresas que "The cabin in the woods" traz ao espectador. Pode-se apenas dizer que nela, Bradley Whitford e Richard Jenkins são deliciosos, e arriscava-me a dizer que assumem as personalidades dos argumentistas. Mais não pode ser dito.
O filme varia entre cenas de terror e a paródia subtil às mesmas cenas de terror, mas sem nunca entrar dmasiado no terreno do camp, e do gozo. É um filme de terror, ponto, mas com um comentário paralelo que nunca desequilibra o desenrolar da acção. Há uma ambiência "Evil dead" nas operações, com a casa abandonada, demónios aparentes e até um livro cujas palavras dão vida ao sobrenatural. No fim de contas, não há por aqui nenhum Ash, nem de facto qualquer personagem pela qual queiramos realmente torcer. O cinismo de Whedon, particularmente, é patente e a ligeira desumanização das personagens afecta a empatia que temos com as mesmas. Ainda assim, há uma criatividade inventiva nas mortes exibidas, sendo que uma delas, envolvendo um acsso de testosterona súbito pode tornar-se o tipo de coisa épica que se torna num viral do Youtube.



Whedon, esse, deve usado anos e anos de "Buffy" na construção do terceiro acto e twist final do filme. De acto para acto, a história cresce, e transforma-se no final em algo de completamente inesperado e gore de delícia. Este crescendo é bem gerido e orquestrado, e nunca parece realmente forçado. Na verdade, esse vinte minutos finais, mesmo pertencendo a um género quase diferente, encaixam perfeitamente com o cubo de rubik visto anteriormente em forma de imagens. Uma cena particularmente memorável ainda no início do filme, e que envolve uma das mais estranhas cenas de bestialismo que já vi, ganha outra ressonância nesta parte. Tudo está ligado, até aquilo que não se vê.



"The cabin in the woods" será apreciado devidamente por quem conhece o cinema de terror, mas acima de tudo por quem gosta do cinema e se revê nele como arte da manipulação. Em certa medida, é um estranho cruzamento entre o lado de marionetas de "The game" e a análise paródica de "The last action hero", mas filtrada por duas enciclopédias de pop culture, que constroem quase um projecto científico, e muito divertido, sobre aquilo que mexe connosco enquanto espectadores ansiosos por serem assustados. Será, talvez, das melhores traduções fílmicas da forma como funciona a cabeça de um argumentista de terror, com caixinhas agrupadas, sustos e horrores baratos, à disposição de cada um para melhor misturar e assustar os suspeitos do costume.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

"The dark knight rises"



A origem da palavra "herói" remonta à língua grega, que, como em quase todas as palavras que nos chegaram hoje em dia vindas dessa base da cultura europeia, sofreu transmutações. Se hoje associamos o termo com feitos físicos e guerreiros, o seu significado original era o de protector ou defensor. De facto, uma das origens mais prováveis prende-se com os adoradores da deusa Hera, que protegeriam assim o seu culto de todos os obstáculos. Ainda na Grécia Antiga, as cidades-estado remontavam o seu direito à glória através de feitos passados de homens que, por virtude desses mesmos feitos, se tornavam heróis. As cidades mereciam o que lhes aconteciam pelos heróis que tinham visto nascer dentro das suas portas.


Ao contrário dessas cidades, Gotham, no final de "The dark knight" recebia não o herói que criara, mas sim aquele que merecera. Um guardião silencioso, um protector atento. Um cavaleiro das Trevas; e apesar das aparências, é nas trevas que voltamos a encontrar Gotham City neste novo "The dark knight rises" (TDKR), um épico dentro da cabeça de Christopher Nolan, e uma hipérbole nas próprias cabeças de quem por ele esperou. A expectativa gerada era incomportável, na minha opinião. O anterior "The dark knight" é um filme magnífico, ponto final. É uma obra de entretenimento compulsivo, mas ao mesmo tempo complexa, inteligente e arriscada. É aquilo que, nos seus tempos, foram "Jaws" ou "Alien", uma excepção num mundo de regras normais. O sucesso do filme deveu-se a um conjunto de factores únicos e irrepetíveis, desde o zeitgeist dos pós 11 de Setembro até, não o neguemos, à morte de Heath Ledger e ao seu assombroso retrato do Joker como vilão. Nolan, avisando desde logo, e sabiamente, que depois disto não voltariaa este herói, tinha em cima si o peso da herança que criara. "The dark knight rises" não surgiu como simplesmente um filme: era também o encerrar de uma trilogia que simboizava, de certo modo, a evolução do próprio paradigma de blockbuster, e até deste novo sub-género, o filme baseado em comics. O que Nolan fez não pode ser subestimado, nem sequer por críticos com uma visão redutora daquilo que pode ser o cinema; e o próprio Nolan fez questão de provar, no andrajoso e espectacular, mas também confuso e um pouco oco "Inception", que arquitectar um blockbuster que extravase os seus próprios limites não é fácil.



A sua ideia de Batman teve, desde o início, a noção do ridículo do personagem, um homem vestido de morcego a combater o crime, e apanhando de quando em vez vilões mais ridículos do que ele. Colocando os pés na realidade, o realizador e os argumentistas Jonah Nolan e David S. Goyer marcaram como objectivo descrever o conto clássico do paradigma do herói. Toda esta trilogia é uma peça enorme em três actos, com este objectivo. No primeiro acto, é-nos apresentado o herói, marcado por um trauma (a morte do pais) e que para superar esse trauma, embarca numa missão de grande dificuldade, para provar algo a si mesmo e aos outros. Treina-se a prepara-se, e quando chega o teste final, ele passa. No segundo acto, o herói, convencido da sua superioridade, é confrontado por uma força que se lhe opõe e com a qual não consegue lidar, pois não está devidamente equipado para isso. O segundo acto acaba com um momento de crise, onde o herói se sacrifica em prol do bem. O terceiro acto é, precisamente, a "morte" e "ressurreição" do herói depois de ter batido no fundo. Porque é isso que torna os heróis em personagens admiradas: não importa a quantidade de obstáculos que lhe coloquemos, eles levantam-se. Como diz o pai de Bruce Wayne, "caímos, para que aprendamos a reerguer-nos".



Neste terceiro filme, Gotham parece viçosa e revigorada, uma cidade rica e optimista, mas construída sobre uma mentira. No fundo, uma cidade real, onde o aparente bem-estar esconde um mal palpável que todos sentem. As trevas, portanto. Bruce Wayne vive como um eremita, sentindo o peso dos anos a combater criminosos no seu próprio corpo, e uma série de antigos e novos personagens forçam-no a regressar à acção, mesmo contra o conselho do seu melhor amigo, o mordomo Alfred (cuja relação de paternalidade em relação a Bruce Wayne constitui um dos eixos emocionais do filme). A sua oposição é desta vez simbolizada por um homem que representa uma nova ameaça: um indivíduo fisicamente poderoso e mortífero, rígido nos seus códigos morais e determinado nos sues objectivos, Bane. Com este pano de fundo, Nolan conduz as suas personagens para tentar traçar um retrato da crise económica que vivemos aplicado ao mundo de Gotham, onde nem sempre é bem sucedido. Se a Catwoman é uma ladra que encarna na perfeição os ideias do movimento do Occupy Wall Street, Bane é apenas um demagogo agitador, que por detrás do seu discurso de aparente revolta, tem objectivos bem mais prosaicos. O capítulo mais interessante da abordagem é talvez a de concluir, e com razão, de que a população entregue a si mesma é o seu próprio predador, e leva o espectador a pensar por que razão Bruce Wayne passa todas as provações que o filme lhe entrega apenas para salvar gente que, no fundo, é suposto salvar Gotham, e apenas a enterra mais. Dá vontade de pedir ao herói que desista e siga os conselhos do seu sidekick.




Mesmo a estrutura dramática do filme não é satisfatória. Há demasiadas intrigas menores que nada acrescentam (uma, envolvendo um capitão da Polícia interpretado por Matthew Modine, parece querer introduzir um Sargento Garcia no mundo Batman) e personagens que podiam muito bem passar ao lado do filme por completo; por outro lado, outras, como o comissário Gordon, que mereceriam outro tempo de antena, são meio que apressadas nos seus problemas. O que isto provoca é um segundo acto que se vai arrastando, e uma intriga convencional, que perde para o anterior Batman no aspecto surpresa. Nada disto é culpa real de Bane, um vilão carismático, bem construído por Tom Hardy, com aquele género de voz que lançará 1000 imitações. Mas até ele é engolido na voracidade de um terceiro acto que tem claramente tanta coisa a despachar que só o pode fazer ao repelão. Este é um filme que tem claramente partes muito boas (o confronto inicial e marcante entre o Batman e o Bane; boa parte das cenas onde Anne Hathaway enche a sua Catwoman com uma assertividade, sexiness e travo de melancolia existencial), mas no seu todo, move-se em diferentes velocidades, e mesmo com boas intenções e ideias lá metidas, parece andar algo perdido em momentos.



Ainda assim, é claramente um bom filme. Nolan continua a saber filmar épicos com uma intensidade visual que muitos não possuem. Percebe a noção que um espaço enorme, real tem na nossa mente de espectadores e do quanto isso pode amplificar as acções de determinado personagem. Para além disso, sabe misturar a seriedade real em que envolveu o mundo de Gotham com vinhetas e momentos que carregam o espírito de BD para o filme. "TDKR" nunca tem tempo para ser mau filme, porque por muito que o ritmo seja desigual, é uma desigualdade leal, e que segue momentos menos bons com outros extraordinários, equilibrando assim todo o impacto da obra. A introdução de John Blake, numa excelente interpretação de Joseph Gordon Levitt (um actor a pedir uma auto-estrada rumo ao estrelato) Há que dar um destaque merecido, pelo seu trabalho em toda a trilogia, ao actor Christian Bale. Depois de relegado para planos secundários por Tim Burton e horrendos por Joel Schumacher, a personagem Batman assume o papel central dos filmes, finalmente, não sendo apagada por tudo o mais. Bale é o principal responsável, compondo um Bruce Wayne que carrega num saco culpas amplificadas, que prossegue mesmo quando a dor é a cola que pavimenta o seu percurso, impedindo-o de ser feliz. Wayne confunde a sua própria felicidade com um sentido pateta de heroísmo, que se torna nobre, mas em "TDKR", chega a altura pode ser a maior vitória que Bruce Wayne pode conseguir sobre as forças do Mal; e Bale enverga esse traje mais negro do que do próprio Batman, com a solidão dos verdadeiramente soturnos, mas a esperança escondida de quem foi ensinado a lutar e reerguer-se, mesmo tendo de cair uma e outra vez. Se Bane é um campeão das trevas, Batman é um cavaleiro das trevas à procura de luz para si mesmo, encontrando-a na escuridão.

Este é,a meu ver, um final adequado para a versão Nolan deste universo. É coerente com os trabalhos anteriores, e encerra de maneira satisfatória, um dos projectos mais interessantes da última década cinematográfica. O panorama dos blockbusters mudou com esta trilogia, e este filme, tendo alguma evidentes falhas, continua a ser melhor do que muitas obras de entretenimento que aqui andam. Nolan reergueu Batman e deixou-o num pedestal. O que parece indicado. O Homem-Morcego vigiando Gotham a partir de um ponto alto tornou-se numa imagem cinematográfica inesquecível, representativa de um cavaleiro com asas que observa a cidade imperfeita que escolheu proteger.