segunda-feira, 21 de maio de 2012

Showdown: Tim Burton - parte 3



5 - "Ed Wood" - Este é, provavelmente, dos biopics mais estranhos colocados no celulóide. A maior parte das figuras históricas que merecem uma biografia tiveram algum contributo ou marca positiva na História, ou na Cultura. Edward Wood merece este filme porque era terrivelmente mau. Os seus filmes são atrozes e aulas práticas sobre como não fazer filmes. Porque sentiria então Tim Burton uma afinidade com um homem e artista medíocres? Simplesmente porque Wood era, talvez o ingénuo mais entusiasta que jamais pisou um plateau, um homem que contra todas as provas e evidências continuava a acreditar que o seu talento era realmente enorme. Num momento chave do filme, o pior realizador do mundo e o melhor realizador do mundo (Orson Welles) encontram-se num bar, e por momentos, a diferença entre ambos é quase nula. A arte e o ridículo são quase indiferentes quando entregues a uma máquina sem alma; mas enquanto Welles deprime e se afunda em bebida, Deep, num dos seus melhores papéis (e onde tem muito pouco maquilhagem e adereços weird) transforma Wood num alucinado de olhos abertos, que adora casacos de angorá e nunca se deixa abater. "Ed Wood" é um dos filmes mais uplifting da carreira de Burton, porque, no pensamento pouco ortodoxo do realizador, representa o triunfo do espírito humano. Sob a forma dos piores efeitos especiais da história do cinema, claro.



4 - "Mars attacks" - Confesso que da primeira vez que vi este filme, há muitos anos, não fiquei com uma impressão largamente positiva do mesmo. Talvez fosse da idade. Mas depois disso, já o revi, com olhos de ver, mais duas vezes, e é, seguramente, das comédias mais delirantes a que assisti. É uma sátira ácida, quando no campo político; terna, quando se entretém a parodiar e homenagear um certo tipo de ficção científica e ingénua; e violentamente surreal, quando integra personalidades bizarras (Tom Jones, por exemplo) numa intriga de salvação do mundo. Eu acho que Tim Burton é um dos melhores realizadores cómicos do cinema norte-americano, e tenho pena que poucas vezes, nos últimos anos, tenha enveredado por caminhos desses, optando por um auto-citamento que o torna menos interessante. Mas aqui, com um elenco heterogéneo e de grandes estrelas (Jack Nicholson, Glenn Close, Pierce Brosnan, Rod Steiger, Natalie Portman, Michael J. Fox, Pam Grier...), ele transforma os extraterrestres em criaturas brutalmente irritantes e nada próximas da inocência ou sofisticação a que nos habituámos. Não é que os humanos fiquem melhores na fotografia.... Depois de biografar Ed Wood, Burton homenageia-o subtilmente, utilizando efeitos visuais dispendiosos para dar um ar tosco ao filme. O que é uma delícia. Pode ser uma bizarria, mas é gloriosa e excelente.



3 - "Edward Scissorhands" - Uma das melhores fábulas da historia do cinema. O homem com mãos de tesoura é, porventura, a maior criação de Burton, um personagem onde este consegue encaixar todas as suas referências, inspirações e obsessões (desde o gótico da sua habitação até à paternidade de Vincent Price, a grande figura dos filmes de terror a que o realizador assistia na sua infância e adolescência). Um homem com um drama que o liga a todos os grandes arquétipos trágicos do cinema de terror: não consegue tocar em nenhuma pessoa sem a magoar. Mas longe de ser aterrorizador, "Edwars Scissorhands" é uma história de amor entre um frreak e uma rapariga que é ela própria uma freak sob o disfarce de normalidade. O filme faz questão de vincar o ponto de que não se deve forçar ninguém a ser quem não é, quando uma família, arrancando o personagem principal do seu castelo onde este vive sozinho, o tenta civilizar, apenas conseguindo que uma cidade inteira persiga este "monstro" de coração doce e inocência pura (Johnny Depp é tão genial que as tesouras nem são necessárias para nos fazer sentir a sua dor) numa raiva irracional e injustificada. Um reflexo do próprio Burton, provavelmente. Continua a ser, aliás, um dos seus filmes mais emblemáticos; e embora seja muitas vezes esquecida a sua contribuição, as próteses de Stan Winston  são a outra grande personagem deste conto, uma das muitas contribuições icónicas que este génio trouxe ao cinema



2 - "Batman returns" - A principal característica dos filmes protagonizado pelo homem-morcego que Tim Burton arquitectou é, sem dúvida, o protagonismo que os vilões possuem em relação ao personagem titular da saga. Esta obra de absoluto génio é a sua grande evidência. Batman é totalmente colocado em segundo plano pelo Penguin (um retrato melancólico pintado a bílis por Danny deVito) e pela Catwoman (uma bomba de C-4 sexual condensada num fato de látex e manobrada com mestria por Michelle Pfeiffer), e nenhum espectador com gosto se incomoda com isso. Ambos os personagens são mais interessantes que Batman, e nenhuma destas três criaturas, por muito freak que seja, consegue ser mais horrível do que Max Schreck de Christopher Walken, um capitalista sem escrúpulos, sentimentos ou qualquer réstia de moral. É estranho como Gotham, ao contrário do mundo que Christopher Nolan criou, é não uma cidade, mas uma espécie de limbo do inferno, onde os realmente diferentes encontram espaço para não só sobreviver, mas sobressair. Neste segundo "Batman", Tim Burton sai completamente da lógica do filme de super-heróis e entra no seu território. Já não estamos no mundo de Batman, mas entrámos nos confrontos típicos de Burton, no seu tom operático, no seu gosto pelo barroco. O móbil da história é, no mínimo, ridículo, e algo bíblico; mas todo o seu tom de desencanto num mundo encantado e retirado de um conto de fadas que Edgar Allan Poe teria escrito eleva esta obra à categoria das melhores de Tim Burton, e a um dos meus filmes preferidos.



1 - "Big fish" - O maior problema de toda a carreira do realizador que tem sido abordado nos últimos dias é, na minha opinião, o facto de se recusar a expandir o território da sua obra. Parece-me até um pouco estranho, porque o seu melhor filme, embora mantendo alguns dos seus temas fetiche, sai formalmente muito para lá daquilo que consideramos ser o universo habitual de Tim Burton; e talvez seja por isso que a história respira muito melhor do que se estivesse sob constrangimentos de espaço e ambiente a que o realizador se visse obrigado a cumprir. "Big fish" é um dos melhores filmes da década que passou. Homenageia a vida, a arte de contar uma história, o poder da imaginação e luta contra as limitações da realidade e do cientismo extremo a que entregámos as nossas mundividências. Antigamente, os contadores de histórias eram celebrados como mágicos criadores de mundos; hoje, parecemos desprezar os vôos da ficção, optando pela dura realidade de ter os pés no chão. No filme, onde um filho demasiado sério se confronta com um pai com uma doença terminal que parece recusar-se, por uma vez que seja, a descrever e encarar a realidade, trata precisamente esse confronto, onde percorremos a vida de Edward Bloom, o pai, pelas suas próprias palavras e descrições. É um mundo de coisas impossíveis, mas mil vezes mais sedutor e confortável do que a realidade. Como seres humanos, começámos por criar mitologias como formas elegantes e belas de descrever e compreender o mundo. "Big fish" celebra esse feito a uma escala mínima, num filme sobre família, e o poder do amor e da imaginação. Os últimos momentos de Edward Bloom, onde pai e filho reconstroem uma morte poderosa e que eleva a vida a algo mais, são dos finais mais emocionantes que o cinema moderno nos proporcionou. Tim Burton é Edward Bloom: por vezes, o seu vôo para fora da realidade pode irritar-nos e exasperar-nos, mas quase sempre voltamos aos seus mundos, pois são bem mais atraentes do que a realidade cinzenta onde esticamos a nossa vida.


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