segunda-feira, 7 de maio de 2012

"Só esteve uma semana em exibição": "The mothman prophecies"



Nesta rubrica semanal, pretendo dar a conhecer alguns filmes que não tiveram a divulgação merecida, mesmo tendo interesse para quem gosta de bom cinema. Calculo que essa também seja uma das razões que levam as pessoas a comprar aqui bilhete.

Desde o final da década de 60 que estava deitadinha, à espera que alguma luminária do cinema lhe pegasse, uma história real onde a linha da própria realidade e da ficção é um pormenor da maior importância: o conjunto de fenómenos que se sucederam entre 1966 e 1967, em Point Pleasant, na Virgínia Ocidental. A responsabilidade foi atribuída a uma entidade vaga, com forma definida, mas intenções e ligações estranhas a todos os eventos, chamada Mothman, pegando numa personagem da série televisiva "Batman", que passava na altura na televisão. O caso foi descrito pelo jornalista John Keel, na excelente e bizarra obra "The mothman prophecies". Envolve a criatura, OVNI, homens de negro, poltergeist, fenómenos psíquicos e profecias; e depois de tudo apresentado, avança para um nível de bizarria para a qual não se está preparado. É um livro de não-ficção, mas os factos parecem ficcionados. As páginas são permeadas por uma névoa de estranheza que não nos envolve: come-nos vivos e cospe-nos. Conheço gente de muito boa cepa que nunca mais conseguiu reler "The mothman prophecies", e eu, que o leio todos os anos, devia parar. Porque cada leitura mais me empurra para a loucura de questionar tudo o que sei e tudo o que vivo

Transferir isto para um filme parece fácil, mas não é. Seguir o caminho do horror tradicional e fazer da história um arremedo de susto seria a táctica comum. Felizmente para nós, e infelizmente para as bilheteiras, as imagens são uma tentativa não de traduzir o livro, mas precisamente essa aparência de acontecimento que dele emana. Ainda assim, a fita, em termos de conteúdo, não faz justiça ao imenso planalto de biasma que é o livro. Mas isso seria impossível de conseguir numa longa-metragem. Uma série de televisão era o mais adequado.  Ainda assim, a imagem é como fumo que se entranha.



O livro não tem história, e o filme precisa de criar uma: John Klein (Richard Gere, num trocadilho com o nome do autor do livro) é um respeitado comentador político do Washington Post, que no auge da sua felicidade com conjugal, vê a mulher morrer num acidente de automóvel, não sem antes esta desenhar interminavelmente em folhas a mesma sombria criatura. Desolado pelo acontecimento, Klein é um homem à deriva e numa noite em que viaja de carro, dá por si a fazer 1600 quilómetros em três horas, parando em Point Pleasant, Virginia, onde vai bater à porta de um homem que lhe diz que ele esteve ali nas duas noites anteriores, à mesma hora. Isto é apenas o princípio de uma história que o junta a Connie Mills (Laura Linney), a xerife local.

Menos um filme de terror do que um exercício de controlo e programação mental, "The mothman prophecies" tem o visual de um filme experimental, com alguns efeitos de baixo orçamento e aquela noção de que uma banda sonora penetrante e saber jogar com a luz e a sombra são truques básicos para nos convencer de que estamos a ver mais do que realmente vemos. Mark Pellington realizara já videoclips e é o autor do estilizado genérico de "Homicide: Life on the street". Para além disso, com o seu "Arlington road", obra inicial da sua carreira, soubera que a paranóia é uma excelente matéria cinematográfica.
Pellington não cai na tentação de fazer uma adaptação literal, mas sim de nos provocar os mesmmos arrepios, sentimentos e desconfianças que Keel descreve no livro; e consegue-o. Uma sequência em particular, em que Klein fala ao telefone com uma omnisciente entidade que dá pelo nome de Indrid Cold é particularmente enervante e assustadora. Destaque para a dupla de actores (Richard Gere sorumbático, embora com os tiques de costume; e Laura Linney como uma mulher dura, mas o esplendor luzidio num lago de negrume), a banda sonora de Tomandandy (ou a tradução para som dos arrepios da pele) e fica o repto para que leiam mais sobre este estranho caso; e, já agora, que descubram este filme.

Sem comentários:

Enviar um comentário