quinta-feira, 24 de maio de 2012

Só esteve uma semana em exibição: "Out of sight"



Steven Soderbergh tem-se tornado o sinónimo de realizador todo o terreno, uma espécie de Land Rover cinematográfico que se adapta a qualquer género. É discutível se os seus filme têm sempre qualidade; não se pode é argumentar contra a sua adaptabilidade. Soderbergh consegue inclusive transformar potenciais blockbusters em imitações da Nouvelle Vague francesa, como em "Ocean's 12". Quando se fala da cinefilia bestial de Tarantino (com todos os seus defeitos e qualidades), ignora-se que Soderbergh faz o mesmo nos seus filmes, e de maneira bem mais subtil.

O reconhecimento geral da sua qualidade chegou em 2002, com a aclamação oscarizada de "Erin Brockovich" e "Traffic" (tendo ganho um Oscar de melhor realizador por este último". No entanto, a sua carreira anterior começara com uma obra fundamental para ser perceber o cinema indie da década de 90, "Sex, lies and videotape". O seu ocaso posterior à aclamação em Cannes sempre pareceu estranho, mas a culpa foi, em parte do próprio Soderbergh que se trancou no ghetto arthouse cinematográfico de que tanto gosta, com o seu experimentalismo constante. Quando se decidiu a regressar ao mainstream, fez aquele que ainda é dos seus melhores filmes, mesmo que muita gente não o recorde, o que é um crime. Falo de "Out of sight", um exemplar cool e excitante do tipo de thriller com estilo que já se vê muito pouco.



A história é adaptada de um livro do genial Elmore Leonard, autor de ficção criminosa com um estilo de humor seco e enredos onde a falta de confiança e de escrúpulos do ser humano são sempre o principal motor da história. São dele os romances que originaram, por exemplo, "Jackie Brown" e a série de televisão "Justified". Aqui, Jack Foley é o personagem principal, um tipo tão cheio de charme que consegue assaltar bancos simplesmente com a sua presença e palavras. Uma complicação que se dá a uma fuga da prisão cruza-o com uma US Marshall Karen Sisco, muito senhora do seu nariz, mas que parece ter más opções no que toca aos homens. Meia hora na mala de um carro e uma conversa chegam para criar entre eles uma atracção, que corre paralela a uma intriga que envolve um punhado de diamantes que valem 5 milhões, e um grupo de personagens folclóricas que tornariam qualquer filme colorido.



Mas o que realmente destaca este filme é a relação entre Jack Foley e Karen Sisco. Interpretados por George Clooney e Jennifer Lopez, tornam o celulóide tão sexy quanto uma lingerie, e mesmo que o filme esteja cheio de bons actores (Ving Rhames, Steve Zahn, Don Cheadle), o binómio Lopez/Clooney varre tudo o mais. Quando ambos aparecem no ecrã, o filme mete três mudanças acima, pelo menos. É estranho o quanto isto é atípico no cinema de Soderbergh, normalmente frio e muito directo, mas é uma excepção bem vinda na sua paleta, e faz-me pensar no quão bom ele podia ser se de vez em quando se lembrasse de reintroduzir o elemento e interações humanas desta forma nas suas obras posteriores. Jennifer Lopez é uma revelação neste filme, e dá pena aquilo em que a sua carreira se tornou. Talvez nem ela própria ligasse muito aos filmes que fazia; mas vê-la em "Out of sight" é um enorme prazer. Karen Sisco é uma mulher segura de si, muito cool e cheia de pinta. Mais ou menos o género de personagem que tornaria Angelina Jolie e Uma Thurman, por exemplo, em heróinas kick ass no início do século XXI. Quanto a George Clooney... Se quiserem saber onde começou a lenda de Clooney, a estrela de cinema, não se percam em hospitais de Chicago: parem aqui por Detroit e sucumbam a uma das grandes pragas da 7º arte moderna. Há também uma banda sonora de David Holmes, groovy e que pauta os tons de sangue frio da obra com o calor das batidas, como se fosse uma viagem algures pelo país da descontração.

Penso que este filme terá caído no esquecimento um pouco porque a memória é ingrata. Soderbergh não é um realizador cujo culto permita estas recuperações, e a primeira década da sua obra permanece um pouco esquecida. Injustamente, a meu ver, porque mesmo nos seus filmes mais fracos (como "Kafka"), o norte-americano consegue ser bastante interessante. "Out of sight" é um filme que se vê muito bem ainda hoje e nem parece ter quase 15 anos. É extremamente divertido, fluido e dos filmes mais sexy que já vi. Apelo-lhes que não deixem este filme fora da vossa vista, quanto mais não seja para verem uma Jennifer Lopez que nunca na vida sonharam poder existir.

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