A origem da palavra "herói" remonta à língua grega, que, como em quase todas as palavras que nos chegaram hoje em dia vindas dessa base da cultura europeia, sofreu transmutações. Se hoje associamos o termo com feitos físicos e guerreiros, o seu significado original era o de protector ou defensor. De facto, uma das origens mais prováveis prende-se com os adoradores da deusa Hera, que protegeriam assim o seu culto de todos os obstáculos. Ainda na Grécia Antiga, as cidades-estado remontavam o seu direito à glória através de feitos passados de homens que, por virtude desses mesmos feitos, se tornavam heróis. As cidades mereciam o que lhes aconteciam pelos heróis que tinham visto nascer dentro das suas portas.
Ao contrário dessas cidades, Gotham, no final de "The dark knight" recebia não o herói que criara, mas sim aquele que merecera. Um guardião silencioso, um protector atento. Um cavaleiro das Trevas; e apesar das aparências, é nas trevas que voltamos a encontrar Gotham City neste novo "The dark knight rises" (TDKR), um épico dentro da cabeça de Christopher Nolan, e uma hipérbole nas próprias cabeças de quem por ele esperou. A expectativa gerada era incomportável, na minha opinião. O anterior "The dark knight" é um filme magnífico, ponto final. É uma obra de entretenimento compulsivo, mas ao mesmo tempo complexa, inteligente e arriscada. É aquilo que, nos seus tempos, foram "Jaws" ou "Alien", uma excepção num mundo de regras normais. O sucesso do filme deveu-se a um conjunto de factores únicos e irrepetíveis, desde o zeitgeist dos pós 11 de Setembro até, não o neguemos, à morte de Heath Ledger e ao seu assombroso retrato do Joker como vilão. Nolan, avisando desde logo, e sabiamente, que depois disto não voltariaa este herói, tinha em cima si o peso da herança que criara. "The dark knight rises" não surgiu como simplesmente um filme: era também o encerrar de uma trilogia que simboizava, de certo modo, a evolução do próprio paradigma de blockbuster, e até deste novo sub-género, o filme baseado em comics. O que Nolan fez não pode ser subestimado, nem sequer por críticos com uma visão redutora daquilo que pode ser o cinema; e o próprio Nolan fez questão de provar, no andrajoso e espectacular, mas também confuso e um pouco oco "Inception", que arquitectar um blockbuster que extravase os seus próprios limites não é fácil.
A sua ideia de Batman teve, desde o início, a noção do ridículo do personagem, um homem vestido de morcego a combater o crime, e apanhando de quando em vez vilões mais ridículos do que ele. Colocando os pés na realidade, o realizador e os argumentistas Jonah Nolan e David S. Goyer marcaram como objectivo descrever o conto clássico do paradigma do herói. Toda esta trilogia é uma peça enorme em três actos, com este objectivo. No primeiro acto, é-nos apresentado o herói, marcado por um trauma (a morte do pais) e que para superar esse trauma, embarca numa missão de grande dificuldade, para provar algo a si mesmo e aos outros. Treina-se a prepara-se, e quando chega o teste final, ele passa. No segundo acto, o herói, convencido da sua superioridade, é confrontado por uma força que se lhe opõe e com a qual não consegue lidar, pois não está devidamente equipado para isso. O segundo acto acaba com um momento de crise, onde o herói se sacrifica em prol do bem. O terceiro acto é, precisamente, a "morte" e "ressurreição" do herói depois de ter batido no fundo. Porque é isso que torna os heróis em personagens admiradas: não importa a quantidade de obstáculos que lhe coloquemos, eles levantam-se. Como diz o pai de Bruce Wayne, "caímos, para que aprendamos a reerguer-nos".
Neste terceiro filme, Gotham parece viçosa e revigorada, uma cidade rica e optimista, mas construída sobre uma mentira. No fundo, uma cidade real, onde o aparente bem-estar esconde um mal palpável que todos sentem. As trevas, portanto. Bruce Wayne vive como um eremita, sentindo o peso dos anos a combater criminosos no seu próprio corpo, e uma série de antigos e novos personagens forçam-no a regressar à acção, mesmo contra o conselho do seu melhor amigo, o mordomo Alfred (cuja relação de paternalidade em relação a Bruce Wayne constitui um dos eixos emocionais do filme). A sua oposição é desta vez simbolizada por um homem que representa uma nova ameaça: um indivíduo fisicamente poderoso e mortífero, rígido nos seus códigos morais e determinado nos sues objectivos, Bane. Com este pano de fundo, Nolan conduz as suas personagens para tentar traçar um retrato da crise económica que vivemos aplicado ao mundo de Gotham, onde nem sempre é bem sucedido. Se a Catwoman é uma ladra que encarna na perfeição os ideias do movimento do Occupy Wall Street, Bane é apenas um demagogo agitador, que por detrás do seu discurso de aparente revolta, tem objectivos bem mais prosaicos. O capítulo mais interessante da abordagem é talvez a de concluir, e com razão, de que a população entregue a si mesma é o seu próprio predador, e leva o espectador a pensar por que razão Bruce Wayne passa todas as provações que o filme lhe entrega apenas para salvar gente que, no fundo, é suposto salvar Gotham, e apenas a enterra mais. Dá vontade de pedir ao herói que desista e siga os conselhos do seu sidekick.
Mesmo a estrutura dramática do filme não é satisfatória. Há demasiadas intrigas menores que nada acrescentam (uma, envolvendo um capitão da Polícia interpretado por Matthew Modine, parece querer introduzir um Sargento Garcia no mundo Batman) e personagens que podiam muito bem passar ao lado do filme por completo; por outro lado, outras, como o comissário Gordon, que mereceriam outro tempo de antena, são meio que apressadas nos seus problemas. O que isto provoca é um segundo acto que se vai arrastando, e uma intriga convencional, que perde para o anterior Batman no aspecto surpresa. Nada disto é culpa real de Bane, um vilão carismático, bem construído por Tom Hardy, com aquele género de voz que lançará 1000 imitações. Mas até ele é engolido na voracidade de um terceiro acto que tem claramente tanta coisa a despachar que só o pode fazer ao repelão. Este é um filme que tem claramente partes muito boas (o confronto inicial e marcante entre o Batman e o Bane; boa parte das cenas onde Anne Hathaway enche a sua Catwoman com uma assertividade, sexiness e travo de melancolia existencial), mas no seu todo, move-se em diferentes velocidades, e mesmo com boas intenções e ideias lá metidas, parece andar algo perdido em momentos.
Ainda assim, é claramente um bom filme. Nolan continua a saber filmar épicos com uma intensidade visual que muitos não possuem. Percebe a noção que um espaço enorme, real tem na nossa mente de espectadores e do quanto isso pode amplificar as acções de determinado personagem. Para além disso, sabe misturar a seriedade real em que envolveu o mundo de Gotham com vinhetas e momentos que carregam o espírito de BD para o filme. "TDKR" nunca tem tempo para ser mau filme, porque por muito que o ritmo seja desigual, é uma desigualdade leal, e que segue momentos menos bons com outros extraordinários, equilibrando assim todo o impacto da obra. A introdução de John Blake, numa excelente interpretação de Joseph Gordon Levitt (um actor a pedir uma auto-estrada rumo ao estrelato) Há que dar um destaque merecido, pelo seu trabalho em toda a trilogia, ao actor Christian Bale. Depois de relegado para planos secundários por Tim Burton e horrendos por Joel Schumacher, a personagem Batman assume o papel central dos filmes, finalmente, não sendo apagada por tudo o mais. Bale é o principal responsável, compondo um Bruce Wayne que carrega num saco culpas amplificadas, que prossegue mesmo quando a dor é a cola que pavimenta o seu percurso, impedindo-o de ser feliz. Wayne confunde a sua própria felicidade com um sentido pateta de heroísmo, que se torna nobre, mas em "TDKR", chega a altura pode ser a maior vitória que Bruce Wayne pode conseguir sobre as forças do Mal; e Bale enverga esse traje mais negro do que do próprio Batman, com a solidão dos verdadeiramente soturnos, mas a esperança escondida de quem foi ensinado a lutar e reerguer-se, mesmo tendo de cair uma e outra vez. Se Bane é um campeão das trevas, Batman é um cavaleiro das trevas à procura de luz para si mesmo, encontrando-a na escuridão.
Este é,a meu ver, um final adequado para a versão Nolan deste universo. É coerente com os trabalhos anteriores, e encerra de maneira satisfatória, um dos projectos mais interessantes da última década cinematográfica. O panorama dos blockbusters mudou com esta trilogia, e este filme, tendo alguma evidentes falhas, continua a ser melhor do que muitas obras de entretenimento que aqui andam. Nolan reergueu Batman e deixou-o num pedestal. O que parece indicado. O Homem-Morcego vigiando Gotham a partir de um ponto alto tornou-se numa imagem cinematográfica inesquecível, representativa de um cavaleiro com asas que observa a cidade imperfeita que escolheu proteger.
A sua ideia de Batman teve, desde o início, a noção do ridículo do personagem, um homem vestido de morcego a combater o crime, e apanhando de quando em vez vilões mais ridículos do que ele. Colocando os pés na realidade, o realizador e os argumentistas Jonah Nolan e David S. Goyer marcaram como objectivo descrever o conto clássico do paradigma do herói. Toda esta trilogia é uma peça enorme em três actos, com este objectivo. No primeiro acto, é-nos apresentado o herói, marcado por um trauma (a morte do pais) e que para superar esse trauma, embarca numa missão de grande dificuldade, para provar algo a si mesmo e aos outros. Treina-se a prepara-se, e quando chega o teste final, ele passa. No segundo acto, o herói, convencido da sua superioridade, é confrontado por uma força que se lhe opõe e com a qual não consegue lidar, pois não está devidamente equipado para isso. O segundo acto acaba com um momento de crise, onde o herói se sacrifica em prol do bem. O terceiro acto é, precisamente, a "morte" e "ressurreição" do herói depois de ter batido no fundo. Porque é isso que torna os heróis em personagens admiradas: não importa a quantidade de obstáculos que lhe coloquemos, eles levantam-se. Como diz o pai de Bruce Wayne, "caímos, para que aprendamos a reerguer-nos".
Neste terceiro filme, Gotham parece viçosa e revigorada, uma cidade rica e optimista, mas construída sobre uma mentira. No fundo, uma cidade real, onde o aparente bem-estar esconde um mal palpável que todos sentem. As trevas, portanto. Bruce Wayne vive como um eremita, sentindo o peso dos anos a combater criminosos no seu próprio corpo, e uma série de antigos e novos personagens forçam-no a regressar à acção, mesmo contra o conselho do seu melhor amigo, o mordomo Alfred (cuja relação de paternalidade em relação a Bruce Wayne constitui um dos eixos emocionais do filme). A sua oposição é desta vez simbolizada por um homem que representa uma nova ameaça: um indivíduo fisicamente poderoso e mortífero, rígido nos seus códigos morais e determinado nos sues objectivos, Bane. Com este pano de fundo, Nolan conduz as suas personagens para tentar traçar um retrato da crise económica que vivemos aplicado ao mundo de Gotham, onde nem sempre é bem sucedido. Se a Catwoman é uma ladra que encarna na perfeição os ideias do movimento do Occupy Wall Street, Bane é apenas um demagogo agitador, que por detrás do seu discurso de aparente revolta, tem objectivos bem mais prosaicos. O capítulo mais interessante da abordagem é talvez a de concluir, e com razão, de que a população entregue a si mesma é o seu próprio predador, e leva o espectador a pensar por que razão Bruce Wayne passa todas as provações que o filme lhe entrega apenas para salvar gente que, no fundo, é suposto salvar Gotham, e apenas a enterra mais. Dá vontade de pedir ao herói que desista e siga os conselhos do seu sidekick.
Mesmo a estrutura dramática do filme não é satisfatória. Há demasiadas intrigas menores que nada acrescentam (uma, envolvendo um capitão da Polícia interpretado por Matthew Modine, parece querer introduzir um Sargento Garcia no mundo Batman) e personagens que podiam muito bem passar ao lado do filme por completo; por outro lado, outras, como o comissário Gordon, que mereceriam outro tempo de antena, são meio que apressadas nos seus problemas. O que isto provoca é um segundo acto que se vai arrastando, e uma intriga convencional, que perde para o anterior Batman no aspecto surpresa. Nada disto é culpa real de Bane, um vilão carismático, bem construído por Tom Hardy, com aquele género de voz que lançará 1000 imitações. Mas até ele é engolido na voracidade de um terceiro acto que tem claramente tanta coisa a despachar que só o pode fazer ao repelão. Este é um filme que tem claramente partes muito boas (o confronto inicial e marcante entre o Batman e o Bane; boa parte das cenas onde Anne Hathaway enche a sua Catwoman com uma assertividade, sexiness e travo de melancolia existencial), mas no seu todo, move-se em diferentes velocidades, e mesmo com boas intenções e ideias lá metidas, parece andar algo perdido em momentos.
Ainda assim, é claramente um bom filme. Nolan continua a saber filmar épicos com uma intensidade visual que muitos não possuem. Percebe a noção que um espaço enorme, real tem na nossa mente de espectadores e do quanto isso pode amplificar as acções de determinado personagem. Para além disso, sabe misturar a seriedade real em que envolveu o mundo de Gotham com vinhetas e momentos que carregam o espírito de BD para o filme. "TDKR" nunca tem tempo para ser mau filme, porque por muito que o ritmo seja desigual, é uma desigualdade leal, e que segue momentos menos bons com outros extraordinários, equilibrando assim todo o impacto da obra. A introdução de John Blake, numa excelente interpretação de Joseph Gordon Levitt (um actor a pedir uma auto-estrada rumo ao estrelato) Há que dar um destaque merecido, pelo seu trabalho em toda a trilogia, ao actor Christian Bale. Depois de relegado para planos secundários por Tim Burton e horrendos por Joel Schumacher, a personagem Batman assume o papel central dos filmes, finalmente, não sendo apagada por tudo o mais. Bale é o principal responsável, compondo um Bruce Wayne que carrega num saco culpas amplificadas, que prossegue mesmo quando a dor é a cola que pavimenta o seu percurso, impedindo-o de ser feliz. Wayne confunde a sua própria felicidade com um sentido pateta de heroísmo, que se torna nobre, mas em "TDKR", chega a altura pode ser a maior vitória que Bruce Wayne pode conseguir sobre as forças do Mal; e Bale enverga esse traje mais negro do que do próprio Batman, com a solidão dos verdadeiramente soturnos, mas a esperança escondida de quem foi ensinado a lutar e reerguer-se, mesmo tendo de cair uma e outra vez. Se Bane é um campeão das trevas, Batman é um cavaleiro das trevas à procura de luz para si mesmo, encontrando-a na escuridão.
Este é,a meu ver, um final adequado para a versão Nolan deste universo. É coerente com os trabalhos anteriores, e encerra de maneira satisfatória, um dos projectos mais interessantes da última década cinematográfica. O panorama dos blockbusters mudou com esta trilogia, e este filme, tendo alguma evidentes falhas, continua a ser melhor do que muitas obras de entretenimento que aqui andam. Nolan reergueu Batman e deixou-o num pedestal. O que parece indicado. O Homem-Morcego vigiando Gotham a partir de um ponto alto tornou-se numa imagem cinematográfica inesquecível, representativa de um cavaleiro com asas que observa a cidade imperfeita que escolheu proteger.
li alguns textos sobre o filme, mas gostei muito do que encontrei aqui.
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