quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Scene it: "Boogie nights"




"Boogie nights", de Paul Thomas Anderson, é o segundo capítulo da fase "Épicos de pessoas" da carreira do realizador de Los Angeles. Desenrolando-se tendo como pano de fundo a indústria de pornografia norte-americana na década de 70, é menos sobre pornografia e mais sobre um conjunto de gente iludida, perdida no meio das suas próprias ilusões de grandeza, tentando dar um sentido à sua vida que claramente não tem. Se a metade inicial do filme é sobre ascensões, nomeadamente de "Dirk Diggler, o personagem principal, a restante é sobre quedas, algumas delas bem no fundo.
Todo o filme está estruturado em cenas corais, que se desenrolam durante longos minutos. A culminar todo o quadro de quedas, está a cena que acima apresento, na minha opinião a melhor do filme. Dirk Diggler, perdido num emaranhado de cocaína que o levou a soprar a sua boa fortuna para bem longe. Num golpe desesperado para arranjar droga e dinheiro, ele e dois amigos (interpretados por John C. Reilly e Thomas Jane) visitam um aparentemente simpático e muito "espírito livre" traficante de drogas chamado Rahad Jackson.

A cena joga sempre num perigo constante, primeiro porque envolve quatro indivíduos dependentes de cocaína. A paranóia inerente a este estado é amplificada, ao longo de toda a cena, por um "sobrinho" chinês de Jackson, que vai estoirando bombinhas de Carnaval. O sobressalto é permanente, constante, a desconfiança preenche os espaços vazios entre as linhas de diálogo. É como se os personagens vivessem numa espécie de 5ª dimensão onde, rodeados por hair rock dos anos 80, estão à parte de tudo o resto. Rahan Jackson, numa interpretação de absoluta mestria por Alfred Molina, que deixa uma sombra a partir do filme na sala onde o vemos, é simpático, afável, quer apenas divertir-se; mas a paranóia já inerente, e um par de armas de fogo que sabemos presentes no ambiente colocam o espectador com a ideia de que isto vai acabar muito mal. Quando a paranóia passa a ganância (e Anderson mostra isto brilhantemente quando cruza o verso "And he watches her with those eyes", do tema "Jesse's girl" com um olhar de total cobiça por parte de Mark Whalberg, a vestir a inocência perdida de Dirk Diggler com um desespero de alta costura), a linha separa os homens: se Dirk e o seu amigo Reed querem ir o mais rapidamente embora, Todd, o terceiro, mostra claramente as suas intenções criminosas; e a trajetoria descendente começa.

A cena é fechada: tem uns claros início, meio e fim. No entanto, condensa talvez todo o ponto moral do filme.  "Boogie nights", por esta altura, atravessou ara os anos 80, este foi o ponto em que a indústria pornográfica atravessou o seu pior ponto. Sendo vulgarizada com o vídeo, escândalos de suicídios envolvidos com drogas e o crime a permeá-la, nomeadamente através da Mafia, foi o fim e derrocada de uma fase do sonho de transformar o cinema pornográfico em algo de legítimo e aceite. Há a inspiração, nesta cena, dos homicídios de Wonderland, onde John Holmes, o famoso mastodonte penino, teve papel preponderante. No filme, esta pequena curta-metragem é o ponto em que Dirk Diggler, que começa como o maior ingénuo do filme, bate no fundo do poço, e percebe, finalmente, a extensão dos seus erros e da sua ilusão. O filme já assistiu a este ponto para todos os outros personagens, mas é em Diggler que ressoa verdadeiramente. A descida à terra dá-se numa casa com um ambiente de total alienação, alimentada por drogas e por um endeusamento dos anos 80 que é simbolizado pelos três grandes sucessos musicais da década que passam como música de fundo. Paul Thomas Anderson passou a carreira a construir filmes com enredos que se aproximam da depressão total, com personagens patetas e patéticas, mas nunca se pode acusá-lo de não se importar com elas. Importa-se, pois; e por isso lhes dá uma metafórica chapada; ou, no caso, uma chumbada a rasar o cabelo.