segunda-feira, 29 de abril de 2013

"Iron man 3"


"Iron man 3", estranhamente para um filme de estúdio, é logo de caras um filme típico do realizador, Shane Black: passa-se no Natal californiano, uma parte importante do filme é protagonizada por duplas, há piadas relativamente à superficialidade das mulheres-norte americanas, os diálogos são fluentes em espírito macho, há uma voice-over omnisciente não só do filme mas também das regras do género, e a história é mais labirítinca que um cubo de Rubik. Nada mau para uma franchise comercial. É curioso que se até agora a Marvel tinha confiado os seus filmes a actores (Jon Favreau, Kenneth Branagh) ou a tarefeiros competentes (Louis Leterrier e Joe Johnston), a escolha agora parece recair nos argumentistas, com Joss Whedon em "The avengers" e agora Black. São duas vozes distintas, mas muito fortes e que reflectem precisamente a sua personalidade nos seus próprios filmes. Este é, facilmente, o melhor filme dos três, por vários motivos: é bastante bem escrito (há escolhas de história que os fãs vão questionar, mas eu interesso-me por algo como espectador, não como xiita) em estrutura e diálogo, é inteligente o suficiente para experimentar espaços novos onde Tony Stark pode ser ele mesmo e não um tipo num fato de metal, e existe finalmente uma intriga vilanesca digna desse nome. Para além disso, o guião faz o favor de dar tempo de antena a personagens mais secundários, o que permite a Don Cheadle uma oportunidade de finalmente aparecer em verve e esplendor. Há uma dinâmica interessante entre o seu personagem e Tony Stark, o que é tipico de Black, e imprime um dinamismo muito feroz ao terceiro acto.

A história coloca Tony Stark contra um terrorista global chamado Mandarim, cujo desdém pelo satã americano não o coloca longe de Bin Laden, e é atravessada peor um projecto chamado EXTREMIS que só visto o filme é que se percebe o que é. Mesmo que a temática da destruição seja permanente (afinal, os eventos do filme passam-se pouco tempo depois dos "The avengers", onde Stark morre durante uns momentos, sendo o impacto do momento uma permanente em "Iron Man 3"), a diversão é garantida. O potencial dessa diversão aumenta quando Stark emparelha com um miúdo que se revela não um aborrecimento para o filme, mas sim a oportunidade de criar uma intriga de fundo humano entre dois órfãos e solitários. É por aqui, e por Pepper Potts, que bate o coração do filme e o torna o melhor desta franchise até à data. Claro que tem defeitos (a sequência final, embora espectacular, está sempre à beira de ser OTT), mas compensa isso com excelentes sequências de acção e especialmente um lado McGyver latente num Tony Stark que na pele de Robert Downey Jr se transformou num modelo de herói de cinema atípico, mas que é mais forte do que qualquer das suas armaduras.

terça-feira, 23 de abril de 2013

"To the wonder"


"To the wonder", de Terrence Malick, contém tudo aquilo que os devotos do norte-americano adoram (a escolha impecável de banda sonora erudita, um instinto arrasador na composição de imagens, a atracção por um lado panteísta na visão do mundo, a recorrência da Natureza como reflexo do Homem) e os críticos apontam como suas falhas (a deriva narrativa, a utilização dos corpos como simples sombras, imagens gratuitas e que pouco têm a ver com o acto de contar uma história). No entanto, e mesmo não sendo um filme tão bom quanto o maravilhoso "Tree of life", esta obra de Malick centra-se na temática do Amor, e é aí que alcança os seus maiores triunfos, mostrando o realizador como alguém que tem um olho para o pequeno gesto, o quotidiano, os suspiro e tudo aquilo que realmente demonstra o amor entre dois seres humanos, para lá do lugar comum e dos gestos batidos. Essa atenção torna o primeiro terço de "To the wonder" numa experiência de paixão, onde a relação entre duas pessoas pode ser filmada com o mesmo poder da criação do Universo. Os filmes de Malick não funcionam como argumentos estruturados, mas sim experiências em que é pedido ao espectador que se concentre em temas em vez de histórias: os personagens vivem, mas muito mais em filosofia e arquétipos silenciosos,  passeando pelo mundo e perguntando-se (e a Deus, a elusiva personagem-mor que Malick persegue desde "Tree of life" com uma obsessão militante e sensível) o que é a vida. Se em "Tree of life" esta pergunta foi feita em termos mais gerais (colocando duas ideias em confronto), aqui o enfoque é no Amor como força que ao mesmo tempo nos torna divinos, e tão potente na sua destruição que nos leva a bestialidades ou ausências de humanidade punitivas. É novamente a Graça vs Natureza, mas percorrendo a initmidade da pele, e os espaços da alma onde vamos de adulto a criança no espaço de uma carícia. Foi aquilo de que mais gostei em "To the wonder". Um pedaço da mensagem que envolve a procura desesperada que um sacerdote faz de sinais divinos é talvez escusada, mas apresenta o personagem mais interessante, que Javier Bardem exibe com semblante carregado e o ar de quem arrasta 300 árvores às costas. As figuras que experimentam o amor na forma mais conhecida são diferentes entre si (sem no entanto nos ficarem muito na memória, tirando Olga Kurylenko, à força da exposição de um retrato próximo das musas românticas do cinema indie), mas há na profissão do personagem de Ben Affleck que analisa solos para determinar a contaminação dos mesmos por parte de empresas, um sinal daquilo que o homem ideal de Malick procura: a salvação da obra de Deus.

Atentando na agenda de Terrence Malick (o habitualmente recluso realizador tem agendados 4 filmes para um mesmo número de anos), não é difícil ver em "To the wonder" uma peça adicional no largo mosaico que parece formar-se, e esta procura pela salvação da obra de Deus é o tema recorrente até agora. Os dois primeiros filmes deste quarteto são coerentes estilistica e tematicamente, e será das esperas mais interessantes dos próximos anos saber o que nos reserva Malick na sua permanente busca da imanência do universo no vento, nas folhas e na irracionalidade dos nossos próprios movimentos.