terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

2 ou 3 coisas que aprendi sobre prever Óscares


Embora veja a cerimónia dos Óscares em directo desde o ano 2000 (tendo falhado apenas em 2002, e mesmo assim escutei a emissão radiofónica), só me iniciei a sério no jogo na temporada 2005/2006. Pareceu-me o ano ideal: quase todos os filmes passíveis de serem nomeados eram de boa qualidade, no mínimo, e longe pareciam os dias em que "Shakespeare in Love", "Titanic" ou "Chicago" embaraçavam a Academia ao ganharem a estatueta de Melhor filme. Não que sejam todos maus espécimes (acho grande piada a "Chicago"), mas o meu paladar cinéfilo desenvolvia-se e esse ano trazia-nos "Brokeback mountain", "Munich", "Capote... Claro que, como devem estar recordados, o vencedor foi "Crash" e voltámos à mesma ladainha de sempre. No entanto, o bichinho da previsão ficou dentro de mim, e desde aí que lanço, invariavelmente, os meus bitaites não só sobre a qualidade dos nomeados, mas sobretudo acerca da sua identidade. Como digo muitas vezes, não preciso de ver os filmes para saber quem ganha, e muitas vezes até atrapalha: a primeira regra que se aprende nesta brincadeira é a de que devemos deixar as emoções de fora. Não consigo fazê-lo, tenho-o descoberto, e por essa razão tenho-me afundado, com consciência, nalguns momentos épicos: "The social network", "Lincoln", "The curious case of Benjamin Button"... Falhanços previsíveis, mas se gosto realmente de um filme não me consigo desligar dele. Ponto.
Claro que, andando nisto há quase dez anos, vão-se aprendendo alguns truques e notando tendências que tornam a previsão acertada independente do gosto ou mesmo de se ver as obras a concurso. É isso que gostava de partilhar convosco, se tiverem paciência para me aturar nesta roleta anual.


1 - A única coisa fiável são as "Guilds": Quase todas as categorias dos Óscares premeiam um trabalho específico dentro de um filme, e cada um desses trabalhos pertence a um sindicato, as conhecidas "Guilds". Estas atribuem prémios no espaço de dois meses antes de acontecerem os prémios da Academia e como muitas vezes os seus corpos de voto partilham bastantes membros com os da Academia, pode-se ter uma ideia da tendência de voto. Nos últimos anos, a juntar a isto, temos os BAFTA, os prémios do cinema britânico, que têm mostrado ser um bom indicador principalmente para as surpresas. Há uns anos, ficou toda a gente (incluindo eu) de boca aberta com a vitória de Tilda Swinton em Actriz Secundária, por "Michael Clayton", mas os BAFTA tinham-na premiado, e foram o único percursor a fazê-lo. Alguns videntes do Óscar usam também os prémios da crítica, mas cada vez mais isso é relativo: "The social network", por exemplo, foi o único filme a ganhar todos os prémios da crítica (nacional e de cada estado) nos EUA, e depois chegaram à noite principal e gaguejou "The king's speech". O mesmo se pode dizer em relação aos Globos de Ouro. Nos últimos dois anos, só por duas vezes acertaram "Melhor filme" e foi sempre em anos onde era bastante óbvio quem ia ganhar ("Slumdog millionaire" e "Argo"). Confiem nas "Guilds", embora não sejam completamente infalíveis. A mais importante para a categoria de melhor filme costuma ser a DGA, relativa aos realizadores. Habitualmente, e a não ser num raro ano de divisão filme/realizador, quem ganha o DGA, ganha melhor filme.


2 - O princípio "Está na hora": Todos os anos surge esta maneira de prever vencedores, e há convicção por todos os lados de que esta máxima é inevitável. Não é. Que o diga Peter O'Toole, que nunca ganhou um Oscar em competição e teve 8 tentativas, incluindo a derradeira em 2007, num dos mais flagrantes "Está na hora" que me lembro. Nesse ano, aliás, Julie Christie também teve esse momento, e vejam lá, viu a estatueta fugir numa vitória surpresa de Marion Cotillard (que, mais uma vez, foi prevista pelos BAFTA). O princípio "Está na hora" só funciona se estiverem reunidas duas condições: uma interpretação que seja realmente boa (de preferência com sotaque/alteração física/personagem real) e não exista na categoria nenhuma outra hipótese evidente de vitória. Isto aconteceu na primeira forma deste princípio (a "já foi nomeada tantas vezes, alguma vez tem de ganhar") há uns anos com Kate Winslet. Depois de 5 nomeações anteriores, foi finalmente com "The reader" com a britânica ganhou (merecidamente) a estatueta. Mas quem estava nomeada com ela? Anna Hathawaye Melissa Leo, nas suas primeiras nomeações; Meryl Streep, a quem na altura não tinha sido concedido o indulto de poder ganhar uma nova estatueta; e Angelina Jolie, por um filme onde tinha estado bem, mas cuja expressão nos Óscares era zero. É com base neste princípio que estão a tentar forçar a vitória de Leonardo di Caprio este ano, mas o caso é completamente diferente. Para já, a categoria de melhor actor está extremamente competitiva. Há várias actuações excelentes, e será difícil a uma concentração de votos em Leo. Para compor tudo, o favorito, Matthew MacConnaughey, está a ter um ano perfeito: todos os filmes em que entrou foram triunfos, tem ganho todos os prémios (menos o BAFTA; mas o filme não podia ir a concurso), os discursos de vencedor têm sido de topo, o papel alia uma transformação física a uma intensidade emocional inegável e neste momento, na HBO, rola a melhor campanha de marketing que o seu talento podia ter: a série "True detective". Não vejo como outro actor para além deste possa levar o Oscar, mas cada um com os seus métodos de adivinhação.
O princípio "está na hora" tem duas outras encarnações: uma é a já clássica "O veterano", que funciona habitualmente nas categorias de actor secundário e actriz secundária (nos últimos 15 anos, por exemplo, temos Alan Arkin, Morgan Freeman, Chris Cooper, Jim Broadbent e Chistopher Plummer: tudo actores respeitados, que nunca tinham ganho, e finalmente foram recompensados); a outra é a "merecias ter ganho o ano passado, vamos dar-te um este ano", que levou Colin Firth à glória em 2010 (depois de lhe ter sido negado o Oscar na interpretação superior em "A serious man", onde perdeu para Jeff Bridges, um actor que já tinha sido nomeado várias vezes... sem ganhar) e ofereceu a única nomeação da carreira a Paul Giamatti, em "Cinderella man", num papel ridículo, depois de ter sido ignorado escandalosamente no ano anterior pelo extraordinário trabalho em "Sideways". Há um oposto ao "Está na hora" que é o "Já não há hora" e que se aplica a vencedores póstumos: Heath Ledger é o mais conhecido, mas também Peter Finch, em "Network", venceu pouco depois de ter falecido. James Dean e Spencer Tracy também forma nomeados depois de morrerem, num efeito sentimental que muitas vezes atinge a Academia de diversas formas. Isso leva-nos à terceira dica.


3 - Os votantes gostam de "sentir: É mentira que os Óscares não sejam sobre a qualidade. Há poucos filmes verdadeiramente tamancos que tenham ganho o prémio de melhor filme. Mesmo obras mais razoáveis, como "Argo no ano passado, são filmes bem feitos e com a sua pinta. No entanto, nunca serão obras-primas. Alguns dos grandes escandalos da história dos Óscares nascem deste factor: "Pulp Fiction", "Goodfellas", "The social network", "L.A Confidential"... Entre o filme de qualidade e o filme que faz sentir, o sentimento ganha quase sempre. A não ser que seja uma obra "importante", quer no tema quer no resto. É isso que torna a corrida de melhor filme deste ano a mais difícil de prever dos últimos anos. Pode ir para qualquer lado. No entanto, quando em dúvida, optem pela obra mais fácil de sentir, e não necessariamente o filme de melhor qualidade. Esta é a gente que entregou prémios a "No country for old men", mas também a "Driving miss Daisy".


4 - Nunca confiar em documentários e filmes estrangeiros: De longe, e à distância, estas são as duas categorias mais imprevisíveis dos Óscares. Ao contrário das técnicas e de representação, não há percursores fiáveis e até este ano, o método de votação é diferente. Por isso, muitas vezes, os opinadores do Óscar seguem habitualmente o critério do prestígio crítico, mas invariavelmente essa tendência está condenada a falhar. A partir do ano 2000, na categoria de filme estrangeiro, e só para criar uma base estável de modas, só por 3 vezes o candidato mais óbvio da categoria venceu: "Crouching tiger, hidden dragon" e "Amour" estavam nomeados também para melhor filme, e "A separation" venceu quase por exclusão de partes. De resto, passar os olhos pela lista de nomeados notáveis derrotados é perceber o perigo em que se entra quando se tenta seguir a noção de que o queridinho crítico vence sempre: "Amores Perros", "Le gout des autres", "Amélie", "Hero", "Downfall", "El laberinto del fauno", "Entre les murs", "Waltz with Bashir", "The Baader-Meinhof complex", "Un prophet"", "White ribbon"... Um fartote. O que muita gente se esquece é que quem vota nos Óscares não são os críticos, nem especialistas em filmes: são espectadores como todos nós, mais ou menos tamancos. Habitualmente, entre o complicado e o simples, vão pelo simples.Os três filmes que mencionem como excepções desde o ano 2000 partilham isso: são bem filmados, compreensíveis a gente de uma cultura diferente e tem um punch emocional muito forte e universal. O mais indicado, quando se prevê esta categoria, é ir pelo filme mais universal, e as vitórias dos últimos anos têm provado isso. Por isso é que, enquanto muita gente está a prever o favorito e premiado em Cannes "The great beauty, de Itália, eu estou virado para o dinamarquês "The hunt" e o belga "The broken circle breakdown".
A mesma coisa em relação aos documentários. Principalmente nos dez anos mais recentes e o boom comercial do cinema documental, esta categoria tem sido tão focada como as restantes, e qualquer cinéfilo digno desse nome chega à cerimónia conhecendo a maioria dos nomeados. Como em "melhor filme estrangeiro", a tentação é ir pelo mais conhecido e prestigiado. Erro crasso: entre derrotados desde 2004, temos Banksy, Werner Herzog, Michael Moore ou Alex Gibney, e mesmo Errol Morris, o melhor documentarista norte-americano da actualidade, não conseguiu ser nomeado pelos seus dois últimos filmes. É muito complicado prever não só nomeações, como vencedores (eu que o diga: dois nomeados que considerava certos, neste ano, foram com os cães, e fiquei a esfregar a cabeça depois disso... Eu e muita gente...). Aqui, não há exactamente um critério. Vão pelo documentário que vos pareça mais acessível. Al Gore ganhou com aquilo que é, basicamente, uma apresentação powerpoint em "An inconvenient truth" e "March of the penguins" é um documentário simplista narrado por Morgan Freeman. Estas coisas não seguem uma lógica, mas este é o truque mais próximo que vos posso dar. Este ano, por exemplo, tenho o feeling que vai ganhar "20 feet of stardom", um documentário feel good passado no mundo da música negra norte-americana, mas não consigo deixar de meter "The act of killing", que é das coisas mais marcantes que vi nos últimos anos. Em última instância, façam escolhas que não vos envergonhem e fiquem com elas até ao final.


5 - A importância da Montagem - A categoria mais crucial da noite para saber o vencedor de "Melhor filme" é montagem. Mesmo que o filme seja do mais básico a esse nível, a vitória neste categoria virá porque anda de mão dada com o consenso geral da qualidade do filme. Em toda a história dos Óscares, só nove filmes ganharam "Melhor filme" sem uma nomeação em "Melhor montagem", e a razão talvez seja mais simples do que parece: boa parte da qualidade de um filme está naquilo que se faz na sala de montagem. Por isso, sendo a relação entre realizador e editor tão estreira, normalmente a importância de ambos como percursores da qualidade do filme é também um facto. Mais de metade dos filmes que ganharam o Óscar de "Melhor filme" venceram nesta categoria. Quando acontecem excepções, na maior parte, o filme que vence não está nomeado para a categoria principal (aconteceu, por exemplo, há dois anos com "The girl with the dragon tattoo"). Por isso, quando estão a prever o vencedor aqui, tenham em atenção que podem ter de correlacioná-lo com o vencedor da noite. E isso também se aplica à minha última dica.


6 - A ligação realizador/filme: Não há como negar: quem vence melhor realizador, vence melhor filme. Mesmo os trabalhos de realização mais simplórios e pedestres conseguiram ser reconhecidos simplesmente porque o resultado final ganhou "melhor filme". Há anos que exemplificam esta tendência ao ponto da raiva: em 1976, por exemplo, ganhou John G. Avildsen, por "Rocky", que também viria a vencer nesse ano (vide emoção vs qualidade, na dica 3). Deixou como derrotados, por exemplo, Martin Scorsese, por "Taxi Driver"; Alan J. Pakula, por "All the president's men"; e Sidney Lumet, por "Network". Em 1982, Richard Attenborough ganha por "Gandhi", que viria a ser o vencedor final (e acentuar a tendência do filme prestígio britânico como íman de Óscares). Os derrotados, desta vez, incluíam Sidney Lumet, desta vez por "The verdict"; Steven Spielberg, por "E.T"; Sydney Pollack, por "Tootsie"; e Wolfgang Petersen, por "Das boot". As vitórias de Tom Hooper e Muchel Hazanavicius, no últimos anos, foram uma tal bofetada na cara do bom gosto que isto só se percebe pela lógica interna destes prémios. Não se esqueçam disto quando escolherem as vossas previsões nestas duas categorias. Marimbem-se para a lógica e para a qualidade: a divisão entre os vencedores de filme e realização acontece muito, muito raramente. Nos últimos 25 anos, aconteceu apenas 3 vezes. É um dado estatístico que não se pode ignorar.

Outras dicas tenho para dizer, mas isto já vai longo e esta semana vão enjoar de ouvir e ler sobre este tema. Por agora, espero que tenha sido minimamente interessante e que tenham sobrevivido até aqui. A minha promessa fica feita de que as minhas previsões aparecerão por aqui algures quinta-feira. Até lá, apertem os cintos.

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