segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Review relâmpago: "Looper"



Rian Johnson, muito pela calada, tem-se tornado num daqueles realizadores a que é preciso prestar atenção pela qualidade da sua até agora curta obra. "Brick" é o que a gente sabe (um film noir moderno com uma codificação tem própria que desvendá-lo é tarefa que traria júbilo a David Lynch) e "The brothers Bloom" traz alegria, ginástica e muita pinta ao estilo "caper", com reviravoltas na história de uma dupla de irmãos intrujões que parece ter sido realizado com um sentido de estilo bizarro que foge completamente a esse género, acrescentando-lhe um tipo de mentalidade só possível de ver no cinema independente. Não se pode acusar Rian Johnson de não ter intenções de agradar a um público mais alargado: "The brothers bloom" tem uma intriga cativante, mas Johnson não tem culpa de a sua imaginação ser, por vezes, mais rebelde do que o caminho que procura trilhar.

"Looper"pode marcar esse rito de passagem que tão bom realizador já atravessou. O filme desenrola um novelo que cruza duas versões com 30 anos de diferença do mesmo personagem, chamado Joe, num espaço temporal simultâneo. Este é um looper, do título, cuja profissão consiste em assassinar pessoas enviadas do futuro e que surgem à sua frente. O looper só tem de disparar, sem fazer perguntas. No entanto, quando o Joe futuro aparece ao Joe presente nessa condição, seguem-se as complicações óbvias para que um filme exista.
O realizador, que também escreve o argumento, cria inteligentemente (e também, acredito, por falta de recursos) um futuro que não difere muito do nosso, e não aliena, assim, um público menos aberto à ficção científica que dá as cambalhotas do filme. Uma estrutura de viagens do tempo é sempre muito complicado de gerir, pois permite facilmente buracos no argumento. Johnson salta logo isto, colocando na boca do personagens algo como "São viagens no tempo. Nem vamos explicar isto, que faz doer cabeça e ficamos aqui a fazer desenhos a tarde toda", e segue em frente; de facto, as regras são estabelecidas desde cedo e permitem não só ao realizador controlar a sua própria besta, como ao espectador entender o que se passa sem grande problema. Alguma dessas regras, como uma que envolve causa/efeito de feridas físicas entre os "eu" presente e futuro são expostas com grande imaginação e sem discursos técnicos. O filme torna-se ágil e simples de acompanhar no desenrolar da sua história.

Esta, no entanto, envolve temas que são complexos, e o principal parece ser o poder da escolha vs o destino. A maneira como um pode influenciar o outro opõe as duas versões da mesma pessoa, que por isso mesmo até podem ser visto como outras completamente diferentes. O Joe futuro pode ser apenas uma de muitas versões possíveis para o Joe presente, que ao contemplar-se a si mesmo, e ao relato que traz dos tempos vindouros que escreveu para si mesmo, não pode deixar de pensar onde a sua vida o leva. Johnson coloca o Joe presente a aprender francês para nos fazer acreditar que este tem realmente planos para o dia em que a sua vida como looper acabar, mas fica sempre a ideia de que este sofre de um mal de vivre qualquer que o impede de ver mais em frente. Talvez seja por isso que esta aparição do futuro o confronta mais com o seu presente do que outra coisa. O Joe futuro parece decidido a conduzir o do presente a uma felicidade que este sabe que existirá, ainda que o segundo não a tenha visto. O Joe mais velho não é necessariamente mais inteligente, embora sinta mais na pele a dor do que tem de fazer (e a missão que o traz ao presente não é pêra doce).

O que eleva este filme é, precisamente, o retrato que faz do seu mundo e a maneira como lhe encaixa as personagens. A razão pela qual certos actores aceitam receber menos para trabalhar com Johnson é, precisamente, porque este sabe criar bons papéis e escrever diálogo que fica no ouvido. Joseph Gordon Levitt interpreta o Joe com quem nos identificamos primeiramente como alguém a quem a vida vai passando ao lado e que luta, porque começou, precisamente, como um órfão abandonado que cresceu sozinho, e só se tornou alguém quando alguém lhe deu uma alma para a mão. esse alguém é o seu chefe (Jeff Daniels, a encher o ecrã por poucos minutos). Levitt tem, ao longo do filme, de aprender as lições morais e sentimentais que a sua versão mais velha demorou 30 anos a entender, e é na sua relação com Sara (uma dura Emily Blunt) e o filho desta que o consegue. Embora o papel do filho desta seja revelado desde cedo, o terceiro acto cresce com os segredos guardados por Sara e que precipitam o filme, e a missão do Joe mais velho. Bruce Willis interpreta-o como alguém ao mesmo tempo dorido e exasperado (com boas razões para isso), mas tão imperfeito que se torna compreensível. Ecoa alguns dos seus personagens passados, como o do filme "12 macacos", cuja intriga central não difere muito desta.

O que resulta disto é um raro filme de ficção científica que mistura ideias, sentimentos e acção sem que nenhuma atrapalha e outra Johnson ensaia algumas excelentes sequências visuais (algumas envolvendo alguém que faz lembrar o Akira do filme homónimo). É raro encontrar-se hoje em dia uma obra deste género que junte tudo isto, mas ainda é possível, quando se juntam um autor inteligente e actores que criam uma ligação entre o público e um mundo muitas vezes dominada por leis de física e mecânica que parecem ter sido criadas para nos separar da acção. Aqui não. Fecha-se esse loop.

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