domingo, 29 de abril de 2012
"The avengers"
"The avengers"
Realizador: Joss Whedon
Elenco: Robert Downey Jr., Chris Evans, Chris Hemsworth, Mark Ruffalo, Tom Hiddleston, Samuel L Jackson, Scarlett Johansson, Jeremy Renner
Haverá filmes melhores este ano, e até filmes que renderão mais dinheiro... Duvido é que apareça um tão carregado de hype e expectativas como este. Afinal, estamos a falar da reunião do quarteto de personagens principais dos franchises que a Marvel Studios tem construído nos últimos quatro anos (para quem vive numa gruta na Serra d'Aire e Candeeiros: Iron Man, Hulk, Captain America e Thor), a quem se juntam outros quantos, mais ou menos importantes, como Hawkeye, Nick Fury e Black Widow. Tudo para combater um deus asgardiano com os seus amigos aliens. Pode não parecer, mas a probabilidade de uma empreitada destas soçobrar com o seu próprio peso é incrível. Para se ter uma ideia, a DC andou anos a tentar fazer o mesmo, com a Justice League, e nunca conseguiu arrancar o projecto. Quando Kevin Feige, geek mor da Marvel, decidiu arriscar lançando o projecto "The avengers", deve-lhe ter passado pela cabeça todo o tipo de desgraças; e no entanto, desde "Iron Man", em 2008, que vem construindo este evento, com capítulos para cada um dos referidos heróis principais, com maior ou menor sucesso financeiro e artístico.
Feige podia também ter enveredado pelo caminho fácil. Centrando o filme no Homem de Ferro, o personagem com mais sucesso daqueles que fizeram a transição para o cinema, aplicava-lhe o título "Iron man... and friends (e mais alguns cromos de quem nunca ninguém ouviu falar)", e o negócio estava feito. Teve, no entanto, paciência, planeamento e acima de tudo visão para perceber que este filme não funcionaria se não conseguisse que o protagonismo fosse dividido por todos; e para isso acontecer, a empatia do público pelos personagens devia ser uniforme.
Muitos boas notícias: o filme consegue isto, e mais: é uma das coisas mais divertidas em que vi num cinema. Há um sentimento de diversão infinita palpável, mesmo que a história seja um pretexto (invasão alienígena à terra, um grupo de super-heróis deve reunir-se, sucedem-se acção e pancada). Mas ao contrário de muitos outros filmes em tempos recentes que julgam que a pirotecnia é o segredo para ganhar o público, "The avengers" segue o caminho que Eurípides, Sófocles e Aristófanes começaram há uns anos, no intuito de conquistar a atenção de uma plateia de milhares: centra-se em personagens. Não cometo a heresia de atiçar certas franjas, comparando a intriga do filme às complexas ligações dramáticas de tragédias gregas; mas há em "The avengers" um intuito bem definido de criar uma ligação directa e imediata entre quem vê e quem se está a ver. Antes de tudo o mais, estão Tony Stark, Steve Rogers, Thor e Bruce Banner. Apenas depois vêm os seus alter-egos heróicos; e no final disto tudo, o regabofe de efeitos especiais e piruetas. Aliás, é por isso que o regabofe resulta. Não estamos a ver sombras, mas sim gente com quem nos importamos. O porquê de a maior parte dos blockbusters modernos esquecerem isto ultrapassa-me. Embora a história trave de vez em quando, os seus plots e até clichés são tratados com classe e estilo.
"The avengers" é, antes de tudo o mais, a melhor BD cinematográfica até agora feita. Tudo porque o filme replica exactamente o que faz dos comics e seus personagens a base de uma mitologia moderna comparável aos panteões divinos antigos (o que aqui é mais propositado, visto que alguns dos personagens são deuses). São personagens acima do humano, mas reconhecidamente humanas; nalguns casos, deuses, noutros homens que se fizeram deuses. Colocando a análise mais folclórica de lado, existem as piadinhas, provocações e falas típicas da BD, juntamente com os heróis em conflito físico e aqueles desejos geeks que são satisfeitos (Hulk vs Thor! Capitão América vs Iron Man!). Joss Whedon é o homem que se deu a esta empreitada, e é mais geek que muitos, e percebe por isso a geekness inerente. Dificilmente se teria entregue a realização a alguém mais capacitado. Whedon construiu a sua carreira na televisão, escrevendo e lidando com elencos alargados e tornado-se conhecido por um particular talento a lidar com palavras em diálogos que têm tanto de pop culture como de jogo labiríntico. É uma delícia ver um actor como Robert Downey Jr. a lidar com o que Whedon escreve, e verificar como o estilo do argumentista empurra o filme e facilita a interacção entre personagens. Em alturas, julguei estar a ver pranchas de BD a mover-se perante os meus olhos, tal a colagem de estilo. Seja a equilibrar personagens, a dar-nos falas profundamente divertidas ou a criar um espectáculo visual de destruição que se desenrola a grande velocidade, mas sem nunca perder a noção de espaço ou dos próprios dramas, por muito leves que sejam, dos heróis, Whedon constrói aqui um blockbuster extremamente sólido. Pouca gente no showbizz norte-americano merece mais uma consagração geral do que Whedon, cujo talento permaneceu durante muito tempo admirado por uma franja específica.
Whedon nunca ignora que há um universo maior, e que os personagens em que pega já se estabeleceram em aventuras inidividuais: Steve Rogers, o Capitão América, continuou um herói em conflito consigo mesmo, depois de adormecer em 1945 e acordar 60 anos mais tarde num mundo que não é o seu; Thor, mais ponderado e, vá lá, Real, é quem tem motivações pessoais, pois é Loki, o seu irmão, quem ameaça o planeta com os seus planos. Mesmo mais maduro, Thor continua com um ar gingão e arruaceiro, típico de quem gosta de lutas; Tony Stark, o Homem de Ferro, amadureceu pouco e continua com a arrogância e anti-socialidade que aprendemos a gostar, mas que não funciona nada bem em grupo; Bruce Banner, o Hulk, é a incógnita, pois a aparente falta de controlo que tem sobre o seu outro eu é uma bomba relógio à espera de explodir na sua cara, e de quem lhe aparecer pela frente. E ainda temos o Gavião Arqueiro e a Viúva Negra, assassinos mercenários com contas a ajustar com o passado. No meio dos actores que desempenham estes arcos, e mesmo que ninguém esteja realmente mal, há destaques. Downey Jr. é ele mesmo, e consegue resultar tanto nos starkianismos a que nos acostumámos, como naqueles momentos onde é pedido ao personagem que mergulhe nalgum drama; Tom Hiddleston, como Loki, é maldosamente brilhante, como vilão, como manipulador e também como um homem que se sentre traído e enganado no seu destino; Mark Ruffalo é a revelação do filme, entregando finalmente a Hulk um Bruce Banner complexo e decente na sua repressão do "outro", como lhe chama. Aliás, alguns dos momentos mais cool e divertidos do filme são protagonizados pelo gigante verde. Nota-se que há uma camaradagem e química muito boas entre todos os actores. Todos combinam e acima de tudo, percebem o que têm de fazer e em que filme estão. Há um gozo óbvio quando desempenham os seus papéis, e esse prazer chega-nos como espectadores e faz-nos sentir bem. Como eu disse, "The avengers" é das coisas mais divertidas que vi no cinema; e quando os participantes são os primeiros a mostrá-lo, é um excelente sinal.
Há defeitos: a banda sonora de Alan Silvestri, por muito que me custe, é serviçal e difcilmente recordamos um tema que tenhamos ouvido. Há buracos no argumento que provavelmente ficaram na sala de montagem e aparecerão no DVD, sendo que um deles envolve Hulk e me arreliou um pouco depois de sair do cinema. A transição do segundo para o terceiro acto talvez seja demasiado rápida, mesmo que o acontecimento que a marca (que não revelarei) tente justificar a vertigem do que se segue, mesmo quando há obstáculos criados anteriormente que não se podem ultrapassar com um estalar de dedos.
Ainda assim, são pormenores. Na categoria de cinema de super-heróis, "The dark knight" e "Batman returns" continuam a ser filmes superiores, e a bitola pela qual todos os outros exemplares do género têm de confrontar. Mas talvez não por acaso, são duas obras que se afastam bastante das suas origens. "The avengers" será, sem medo, a melhor adaptação de BD que chegou ao cinema. É gloriosamente feira popular, sem nunca nos atraiçoar os neurónios. Consegue equilibrar tudo aquilo que é bom nos comics e no cinema, num filme heterogéneo e de grande público que só engrandece a chancela "blockbuster". Lerão muitas críticas negativas de escribas portugueses, talvez estranhando que por nenhuma vez haja monólogos interiores ou desconstruções sancionadas por Foucault. O meu conselho é ignorarem e descobrirem que o cinema é arte, mas continua a ser diversão, escapismo e duas horas e tal bem passadas numa experiência comum, perante um ecrã. Ainda que a catarse seja através de violência; mas como diz o Whedon, "The avengers" é acima de tudo a história de uma família disfuncional que resolve os seus problemas através da maneira mais americana de todas: pancadaria. Nada que o trio de trágicos gregos acima mencionados tivesse desdenhado nas suas obras.
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