Esta é mãe de muitos genéricos criados depois de 1995. O seu estilo esguio e tétrico invadiu sequências de títulos em filmes e séries, influenciou videoclips e talvez não seja exagerado dizer que voltou a trazer atenção e cuidado a esta arte tantas vezes desprezada e que pode ser tão útil para marcar logo o tom de um filme e prender a atenção do espectador. Embora o filme "Se7en", de David Fincher, não se inicie com estes dois minutos e quinze de condensada perturbação, é com eles que entramos, de facto, no mundo de espelhos horrorosos a que o filme nos expõe nas duas horas seguintes.
Em “Se7en”, somos confrontados logo de início com imagens tétricas, sombrias, difusas. O assassino prepara meticulosamente a sua obra. Podemos vislumbrar algumas das suas influências, dos seus fetiches, das suas taras. Tudo filmado num escuro de breu, onde a luz se intromete timidamente de vez em quando. O objectivo de Fincher quando se decidiu por filmar desta maneira era mostrar-nos o mundo do ponto de vista de Doe. Repare-se que as letras dos créditos tremem e estão rabiscadas. Nada parecido com o que estamos habituados a ver. Mas se Doe não vê o mundo de maneira normal, porque não podem eles ser diferentes? Curiosamente, tudo foi descoberto através do acaso: Kyle Cooper fora encarregado de filmar os nomes que compõem o genérico. Isso é feito geralmente por uma câmara fixa que grava as letras sobre uma mesa. Dessa vez, porém, ele esqueceu-se de colocar o obturador na câmara, que é aquilo que a mantém fixa.
O genérico é composto por uma série de imagens retorcidas, de close-ups de mãos e de dedos, que a única coisa de humano que nos é dado a observar. Essas mãos assumem capital importância, pois apreciamos, sem percebermos ainda bem, a obra de John Doe, a sua instrumentalização. Ou seja, tudo nasce das mãos de um homem. Como que para reafirmar essa diferença entre o mundo de Doe e o nosso, Fincher aplica truques de câmara, como duplicar uma imagem no ecrã. Há também um sentimento de perigo que se desprende daqui. As cores dominantes são o vermelho, o preto e um branco tão pálido que nos questionamos se será realmente branco. Este facto contribui para essa sensação. Além disso, os cadernos, as lâminas, as máquinas, os lápis, as folhas são filmados para nos fazer parecer que esses objectos comuns são todos perigosos. Nem mesmo o que há de mais quotidiano pode ser tomado como algo seguro. No mundo de Doe, tudo é ameaça.
O que também aparece neste genérico são os famosos diários e fotos de John Doe. Até aqui Fincher se revela perfeccionista e quase demiurgo: gastou 15.000 dólares a mandar fazer verdadeiros diários, com a escrita de Doe, as suas impressões, a sua colecção de imagens, os seus trabalhos manuais. Podiam ter simplesmente colocado lá uma fila de cadernos que a nós não nos fazia diferença, mas o realizador fez questão de tornar o cosmos de Doe em algo real e palpável. É um facto que nada é descurado por Fincher e estes genéricos poderão parecer simplesmente exibicionismo de um virtuoso, mas acredito sinceramente que fazem parte da sua visão do processo narrativo, da sua teoria de que tudo deve ser usado para contar uma história e lançar o ambiente do filme. Tudo em Fincher indica para o caminho em que um filme é um objecto total.
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