Intouchables" tornou-se num fenómeno europeu de
bilheteira e popularidade, principalmente no seu país natal, França. Narra a
história de um tetraplégico rico, que contrata um africano vindo dos subúrbios
para ser o seu enfermeiro pessoal... ainda que a sua única qualificação profissional
seja a de ser "arisco". Pelos murais de Facebook, os
louvores não param, e há um consenso geral de que temos aqui
obra.Obviamente, tinha de ver.
Compreende-se, de facto, o encanto da obra. É um filme feel good, onde os dramas que existem são aflorados ao mínimo, e que lança a lição sempre reconfortante de que tudo é possível... mesmo um chico esperto pobretanas ensinar umas lições a arrogantes ricos. É uma noção simplista, mas o filme transforma Driss, o tal africano que vem do nada, num personagem carismático, cheio de pinta e com mais energia e persistência do que um coelhinho Duracell. É difícil não simpatizar com o homem... ainda que, na nossa vida real, à segunda vez que ele se intrometesse na nossa privacidade sem pedir licença, lhe déssemos um tabefe e cortássemos relações com ele. Mas essa é a a magia do cinema, e Frank Capra fez uma carreira muito bem sucedida construindo este género de histórias. Não é, a meu ver, o ponto mais interessante deste filme, mas é o que mais tem fascinado as pessoas, esta aparente simplicidade que prova que o que importa na vida é o básico e a persistência. Se assim for, tudo o mais virá. No entanto, uma mudança de enfoque da história, que parte do ponto de vista de Driss, tornaria o filme bem mais interessante, mas bem menos apelativo. O personagem de Philippe, o tetraplégico, é mais complexo e fascinante nos seus dramas e na sua luta, e até resignação, da sua condição. Tenta-se criar para Driss uma intriga secundária envolvendo a sua família original e a luta contra a pobreza, mas é apenas um pretexto, nunca explorado em condições, e que serve simplesmente para criar desenvolvimento de personagem. Philippe, pelo contrário, um homem que me parece ser bem menos conservador do que o filme aparenta, vê-se roubado do seu corpo, ficando com uma mente brilhante e ágil, e ideias que só pode concretizar com muito planeamento, se é que as pode concretizar de todo. Driss serve-lhe, sobretudo, para se aceitar a si mesmo, e para lhe criar um caminho mais directo quando a sua paralisia lhe dá para fazer curvas e contracurvas em direcção à felicidade. O africano torna-se, por isso, bem mais importante como catalisador do que como personagem, resumindo-se, muitas vezes, a ser um comic relief ou a um representante do povo num mundo de elitistas e apreciadores de artes de palco. A sua reacção quando confrontado com a arte moderna ou com música erudita é a que esperamos de alguém que cresceu sem a sensibilidade educada, e uma vitória para todos aqueles que acreditam que tais artes não estão destinadas a serem entendidas por alguém simples, o que é irónico perante o tom do filme. É numa sequência em que Philippe apresenta a Driss alguns temas mais conhecidos de música clássica que a noção de "simplórios meets erudição" tem muito mais piada, quando o africano traduz a banalidade em que a sociedade consumista transformou a arte popular de outros tempos.
Já li alguém gabar "Intouchables" por ter uma perspectiva francesa, o que é estranho quando, tecnicamente, a linguagem do filme é toda americana. As montagens musicais, a divisão em três actos, as cenas curtas e concentradas... Os realizadores Olivier Nakache e Eric Toledano tiram os truques do manual mainstream e aplicam-nos em França. O que não é mau, atenção. Neste aspecto, é bem filmado e montado, tem uma direcção de fotografia limpa, e é coerente no entendimento da história. A dupla de realizadores mostra também bom senso quando usa a música sempre mágica de Ludovico Einaudi, que amplifica a força de alguns dos momentos. É usada esparsamente, e com efeito. Mesmo que, a meu ver, as vitórias de Driss não surtam um grande impacto, quando Philippe triunfa, a comoção no espectador é merecida.
Esta é uma obra que apela mais ao coração do que à cabeça, quando começamos a pensar nela; mas o cinema também é isto, uma suspensão do nosso sentido de realidade, que nos faz voar em parapente mesmo que só possamos mexer a cabeça. Nem tudo na vida tem de ser intelecto. De vez em quando, devem ser as emoções a meter as mudanças.
Compreende-se, de facto, o encanto da obra. É um filme feel good, onde os dramas que existem são aflorados ao mínimo, e que lança a lição sempre reconfortante de que tudo é possível... mesmo um chico esperto pobretanas ensinar umas lições a arrogantes ricos. É uma noção simplista, mas o filme transforma Driss, o tal africano que vem do nada, num personagem carismático, cheio de pinta e com mais energia e persistência do que um coelhinho Duracell. É difícil não simpatizar com o homem... ainda que, na nossa vida real, à segunda vez que ele se intrometesse na nossa privacidade sem pedir licença, lhe déssemos um tabefe e cortássemos relações com ele. Mas essa é a a magia do cinema, e Frank Capra fez uma carreira muito bem sucedida construindo este género de histórias. Não é, a meu ver, o ponto mais interessante deste filme, mas é o que mais tem fascinado as pessoas, esta aparente simplicidade que prova que o que importa na vida é o básico e a persistência. Se assim for, tudo o mais virá. No entanto, uma mudança de enfoque da história, que parte do ponto de vista de Driss, tornaria o filme bem mais interessante, mas bem menos apelativo. O personagem de Philippe, o tetraplégico, é mais complexo e fascinante nos seus dramas e na sua luta, e até resignação, da sua condição. Tenta-se criar para Driss uma intriga secundária envolvendo a sua família original e a luta contra a pobreza, mas é apenas um pretexto, nunca explorado em condições, e que serve simplesmente para criar desenvolvimento de personagem. Philippe, pelo contrário, um homem que me parece ser bem menos conservador do que o filme aparenta, vê-se roubado do seu corpo, ficando com uma mente brilhante e ágil, e ideias que só pode concretizar com muito planeamento, se é que as pode concretizar de todo. Driss serve-lhe, sobretudo, para se aceitar a si mesmo, e para lhe criar um caminho mais directo quando a sua paralisia lhe dá para fazer curvas e contracurvas em direcção à felicidade. O africano torna-se, por isso, bem mais importante como catalisador do que como personagem, resumindo-se, muitas vezes, a ser um comic relief ou a um representante do povo num mundo de elitistas e apreciadores de artes de palco. A sua reacção quando confrontado com a arte moderna ou com música erudita é a que esperamos de alguém que cresceu sem a sensibilidade educada, e uma vitória para todos aqueles que acreditam que tais artes não estão destinadas a serem entendidas por alguém simples, o que é irónico perante o tom do filme. É numa sequência em que Philippe apresenta a Driss alguns temas mais conhecidos de música clássica que a noção de "simplórios meets erudição" tem muito mais piada, quando o africano traduz a banalidade em que a sociedade consumista transformou a arte popular de outros tempos.
Já li alguém gabar "Intouchables" por ter uma perspectiva francesa, o que é estranho quando, tecnicamente, a linguagem do filme é toda americana. As montagens musicais, a divisão em três actos, as cenas curtas e concentradas... Os realizadores Olivier Nakache e Eric Toledano tiram os truques do manual mainstream e aplicam-nos em França. O que não é mau, atenção. Neste aspecto, é bem filmado e montado, tem uma direcção de fotografia limpa, e é coerente no entendimento da história. A dupla de realizadores mostra também bom senso quando usa a música sempre mágica de Ludovico Einaudi, que amplifica a força de alguns dos momentos. É usada esparsamente, e com efeito. Mesmo que, a meu ver, as vitórias de Driss não surtam um grande impacto, quando Philippe triunfa, a comoção no espectador é merecida.
Esta é uma obra que apela mais ao coração do que à cabeça, quando começamos a pensar nela; mas o cinema também é isto, uma suspensão do nosso sentido de realidade, que nos faz voar em parapente mesmo que só possamos mexer a cabeça. Nem tudo na vida tem de ser intelecto. De vez em quando, devem ser as emoções a meter as mudanças.
de fato, "nem tudo na vida tem de ser intelecto".
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